sexta-feira, 17 de dezembro de 2010



17 de dezembro de 2010 | N° 16552
PAULO SANT’ANA


A clavícula do bebê

Ficou todo mundo alarmado ontem com a notícia de que os congressistas brasileiros aumentaram em 61,8% os seus salários.

O pior é que um efeito cascata fará com que as despesas do erário federal e dos Estados, com o aumento estendido a vários membros do funcionalismo público, cheguem a um acréscimo de R$ 2,5 bilhões no próximo ano.

Uma verdadeira farra salarial e um presente de Natal extraordinário aos milhares de beneficiados.

Interessante esta mecânica estatal dos salários nos três poderes. O Legislativo fixa os vencimentos de seus membros, o mesmo faz o Judiciário.

Mas existe também uma comunicação entre ganhos do Legislativo e do Judiciário.

Só quem não pode fixar os ganhos salariais de seus servidores é o Executivo, que precisa de autorização do Legislativo.

Como, em relação com os servidores do Judiciário e do Legislativo, o número de servidores do Executivo é estratosférico, então se paga muito para poucos e pouco para muitos. Se fosse o contrário, os tesouros públicos não suportariam a hiper-hemorragia nos seus cofres.

Essa mecânica acarreta o surgimento de príncipes da República e, do outro lado, plebeus do Executivo, o primo pobre dos três poderes.

Foi sempre assim e continuará sendo através de todos os tempos, debaixo das silenciosas revolta e inveja populares.

Mas então uma babá em Caxias do Sul torturou dois bebês gêmeos que estavam sob sua guarda durante vários meses e foi surpreendida por uma câmera oculta, instalada pelos pais dos gêmeos.

A babá atirava as crianças nos berços e nos sofás como se atira um objeto ou uma fruta. Ela chegou ao cúmulo de agarrar no colo os dois bebês e jogava violentamente a cabeça de um contra o outro, num sinistro chocalho das duas caixas cranianas.

E o cúmulo da tortura: não se sabe se por queda ou por concussão, a clavícula de um dos bebês foi fraturada gravemente.

Um crime inominável, porque se arrastou durante meses, com os bebês indefesos à mercê da babá perversa, os pais trabalhando fora.

Debatendo esse caso com o apresentador Antônio Carlos Macedo, na Rádio Gaúcha, eu afirmei ser muito difícil constatar-se uma fratura de clavícula em um bebê. O Macedo redarguiu que pelo choro da criança ao ser tocada no local da fratura podia ser diagnosticado o mal.

Eu objetei que criança chora por qualquer coisa, quando está com fome, quando tem ânsia afetiva, quando sente qualquer desconforto. Como os pais poderiam adivinhar que se tocassem na clavícula do bebê ele choraria?

Esse meu debate com o Macedo foi pela manhã. À tarde, por incrível coincidência, uma colega de ZH contou que seu filho, de 14 meses, está com a clavícula quebrada e que ela levou 20 dias para constatar a fratura, o menino deve ter chorado antes e depois da quebra do osso, mas ela, mãe, não percebeu que havia fratura na clavícula.

Só foi percebê-lo quando, ao fazer um carinho no bebê, notou uma calcificação proeminente na clavícula, repito, 20 dias depois do ato da fratura.

Eu não sou parente dos traumatologistas João Ellera Gomes e Luiz Roberto Marczyk nem sou afeiçoado à ortopedia, mas adivinhei ser difícil para pais leigos diagnosticar fratura na clavícula de seu bebê.

É que, por ser antigo, conheço o rengo sentado e o cego dormindo.

Mas restou de tudo isso o crime formidável da babá contra os gêmeos indefesos.

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