quarta-feira, 22 de dezembro de 2010



22 de dezembro de 2010 | N° 16557
DAVID COIMBRA


Os tímidos do dia 28

Paulinho da Viola é um tímido. Sua timidez vibra baixo até naquela voz dele de embalar nenê. Natural, pois, que não cantasse nem as próprias músicas no começo da carreira. Tocava, só; cantar, não cantava. Ficava no acompanhamento, cheio de vergonha. Até que um dia Zé Kéti puxou-o pelo braço e o aconselhou:

– Você precisa cantar suas músicas. Esse negócio de só acompanhar não leva a nada...

Foi aí que Paulinho da Viola se tornou Paulinho da Viola.

Esse é o problema da discrição. Uma qualidade tão venerável, tão admirável, mas que às vezes prejudica quem a tem.

Zé Carlos, genial volante do Cruzeiro do tempo em que volante se chamava centromédio, Zé Carlos era discreto, era silencioso. Não reclamava de nada, não gostava de aparecer, ninguém o via. Dele um dia Tostão disse:

– O Zé Carlos nunca deu um drible. E nunca errou um passe.

Craque. Cracaço. Mas que, de tão encaramujado, foi relegado, desprezado pela Seleção Brasileira. Não era dado ao marketing, o grande Zé Carlos.

Tive a sorte de conhecê-lo quando ele treinava o Tigre, tornamo-nos amigos.

Zé Carlos faz aniversário no mesmo dia que eu, 28 de abril.

Paulo César Pinheiro também nasceu num 28 de abril, também é talentoso e também é discreto.

É um dos letristas mais inteligentes da MPB. Suas músicas falam separações e reconciliações, de dores de amor, saudades lancinantes e despeitos pulsantes. Foi gravado por gigantes da música brasileira. Elis Regina cantava gargalhando uma de suas canções: “Quaquaraquaquá, quem riu? Quaquaraquaquá, fui eu”.

“As pedras se cruzam” é o título de um de seus belos e não muito conhecidos sambas. A letra parece ter sido composta para servir de tema ao reencontro entre Grêmio e Ronaldinho:

“Apesar

Da vida nos separar

A gente vai se encontrar

Em qualquer canto de rua

De manhã

Numa esquina de algum lugar

De tardinha num vão de bar

Ou numa noite de lua

Águas passadas não moverão moinho

Acho que a gente até pode se beijar

Mesmo que já não se tenha mais carinho

As pedras se cruzam no caminho

Que a vida foi feita pra rolar

Rolou, vida rolou, rolou a vida

Eu lhe dei casa e comida

Dei-lhe um nome e coração

Pra mim o que rolou na despedida

Foi só lágrima sentida
Mas ainda lhe estendo a mão...”

O primeiro encontro

Na primeira vez que nos encontramos, Vitorio Piffero, se abriu a boca, não foi para falar. Ou, ao menos, não lembro dele ter dito uma única palavra. Fora trazido à Redação de Zero Hora por Fernando Carvalho, que, esse sim, eu já conhecia havia anos.

Sentamo-nos numa salinha de reuniões que existia à entrada da Redação. Piffero ficou me encarando com os olhos arregalados de atenção, muito sério, quase hostil. Parecia prestes a rosnar: “Gremista! Todos vocês são gremistas!”

Depois, nossas relações foram se suavizando. Já partilhamos alguns chopes, já rimos das mesmas piadas, já fisgamos batatinhas fritas do mesmo prato. Hoje posso dizer que reconheço os predicados de Piffero que Fernando Carvalho pretendia expor naquela tarde, na Redação (e não conseguiu!). Trata-se de um homem íntegro, sincero e discreto.

Tão discreto quanto um Paulinho da Viola, um Paulo César Pinheiro. Tão discreto que nunca demonstrou desconforto por estar à sombra de Fernando Carvalho. Outros se incomodariam. Piffero, não. Talvez por saber que sua importância para o Inter é do tamanho da de Carvalho.

Piffero já está inscrito na história do futebol gaúcho. Foi competente ao sanear as finanças, ardiloso ao lidar com o futebol e diplomático ao ocupar a presidência. Nessa trajetória, aprendeu. Soube crescer.

Hoje, se entrasse na Redação, entraria sorrindo e com sorrisos seria recebido. Piffero entrega o Inter maior do que quando o recebeu. E sai do Inter maior do que quando entrou.

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