quarta-feira, 29 de dezembro de 2010



29 de dezembro de 2010 | N° 16564
PAULO SANT’ANA | MÁRIO MARCOS DE SOUZA - INTERINO


Pequenas mudanças

Pode ser que a conclusão a seguir se confunda um pouco com o desejo pessoal, desenvolvido em muitos anos de frustração e alguma irritação com os motoristas gaúchos, mas vou arriscar: tenho percebido que há uma sutil mudança nas ruas da Capital. Nada ainda que dê o carimbo de civilizado ao trânsito daqui, que tanto incomodou as belas turistas argentinas da Recoleta citadas pelo Léo Gerchmann na coluna de ontem.

Estamos muito distantes desse ponto, mesmo vivendo a apenas duas horas de Gramado e de suas faixas de segurança respeitadas rigorosamente – inclusive, para surpresa de quem anda por lá, por carros com placas de Porto Alegre.

Nesse pandemônio que por vezes toma conta de nossas ruas (nem vou falar das estradas, porque aí é caos absoluto), onde placas de pare ou sinais de trânsito costumam ser solenemente ignorados, qualquer mudança, por menor que seja, é um avanço e tanto – e elas começam a se tornar visíveis. Está bem, podem me chamar de parente da Velhinha de Taubaté, mas noto que muitos motoristas começam a respeitar um pouco mais as faixas de segurança.

Nada ainda que nos anime a promover foguetórios, é verdade, mas comece a observar. Em locais de faixas para pedestres, já é possível reduzir a velocidade e parar, sem o risco de ser abalroado por algum apressado. Antes, era sempre um risco. O carro de trás vinha tão perto do seu, que você certamente não teria coragem de parar na faixa. Se em lugar de um veículo pequeno fosse seguido por ônibus ou caminhão, aí, então, o risco de alguma tragédia subia alguns degraus consideráveis na escala de probabilidades.

Nesse ambiente, mesmo que sua consciência repetisse aflitos “pare, pare” antes da faixa, você seguia adiante por medo daquele carro colado atrás – até porque distância regulamentar entre um veículo e outro aqui em nossas ruas nunca foi respeitada. Se, por acaso, você contrariasse a cautela e parasse, ouviria um festival de buzinas. É algo que se repetia com extraordinária frequência. Selvageria pura.

Pois bem, agora já é possível seguir o que manda a lei. É a primeira e sutil mudança. A impaciência reduziu-se alguns pontos, o que já é um avanço considerável. Mas não é só o motorista. Saudavelmente, o pedestre também está mudando.

É comum ver pessoas reclamando de motoristas que não respeitam as faixas, exigindo que a lei seja cumprida, como fez um ciclista dias atrás ao parar e discursar diante de um apressado motorista de lotação. O mais salutar é que, para ter estes direitos respeitados, os pedestres (está bem, parte deles) estão procurando cumprir seus próprios deveres.

Assim, buscam as faixas para a travessia – até como forma de ter o direito de protestar. As campanhas, pelo jeito, começam a ser levadas em conta.

São avanços pequenos ainda. Nada que justifique a conclusão de que podemos dirigir ou caminhar pelas ruas com a sensação de que estamos em Londres, mas dá para ter algum otimismo. Os pequenos sinais podem funcionar como multiplicadores.

Quem visita algumas cidades do Interior certamente volta com o sonho de ver toda aquela educação de trânsito repetida em Porto Alegre. Se para completar ainda perceber aqui as pequenas mudanças nas ruas, então haverá esperança de novos tempos. Não custa nada incluir entre os sonhos deste fim de ano de cada um de nós um trânsito civilizado, sem aqueles vergonhosos balanços trágicos dos últimos tempos. Até as argentinas aplaudiriam.

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