segunda-feira, 27 de dezembro de 2010



27 de dezembro de 2010 | N° 16562
PAULO SANT’ANA | DIONE KUHN (INTERINA)


Difícil missão

Estamos a cinco dias de vivenciar um momento único no país. No sábado à tarde, um presidente da República se despedirá do cargo levando consigo índices recordes de popularidade e aprovação. À espera do bastão, estará a primeira mulher presidente do Brasil. Lula deixará o Planalto depois de 30 anos com a vida virada e revirada pelas urnas. Dilma assumirá o posto sem nunca ter participado, à exceção de 2010, de uma eleição.

Quem acompanhou a trajetória de Dilma no Rio Grande do Sul, mesmo à distância, fica ainda mais convencido de que Lula marcou época. Dilma foi forjada em gabinetes, nunca demonstrou gosto pela política.

Até virar ministra de Minas e Energia, em 2003 – seu primeiro cargo no governo Lula –, era totalmente desconhecida dos brasileiros. Cada posto que galgou foi por sua competência, mas também porque Lula quis. Ele tinha um projeto para ela, com início, meio e fim. Dilma Rousseff é obra de Luiz Inácio Lula da Silva.

Fico imaginando daqui a 30 anos um professor de História na sala de aula resgatando este período vivido pelo Brasil. Dirá ele que nunca antes na história deste país um operário havia conseguido chegar à Presidência. Nunca antes um presidente havia elegido um sucessor e, ainda por cima, uma mulher e técnica.

Dilma nunca teve gosto pela política, mesmo sendo filiada a partido e tendo trabalhado em governos. Nada disso, é claro, apaga seus méritos de gestora. Só que, para ser presidente de um país que somente este ano alcançou a maioridade civil – em outubro completaram-se os 21 anos do restabelecimento do voto direto para presidente –, não basta saber administrar.

Sem o carisma, a eloquência, a habilidade e o patrimônio político de seu padrinho, Dilma não terá as mesmas chances que ele teve. A oposição, que não ousou pedir o impeachment de Lula em meio a um dos maiores escândalos de corrupção do país – o mensalão, em 2005 –, não pensaria duas vezes se Dilma fosse a chefe deste país.

À futura presidente, será dado o direito de errar, mas não tanto. Por isso, não lhe resta outra alternativa se não a de seguir à risca o manual básico de sobrevivência:

1) não ser tolerante com desvios éticos em seu governo (nesse ponto, já está devendo uma explicação em relação a Pedro Novais, o seu futuro ministro do Turismo – que de turismo nada entende –, conhecido nacionalmente por ter usado verba da Câmara para pagar gastos em um motel no Maranhão);

2) saber negociar exaustivamente para manter a base parlamentar, sem perder de vista os aspectos éticos (nenhum de seus antecessores conseguiu isso);

3) ainda assim, ser hábil o suficiente para não se tornar refém de aliados como o PMDB (na primeira crise, será o PMDB o primeiro a cobrar mais cargos sob a ameaça de abandonar o barco);

4) ter serenidade para aceitar as críticas, sabendo que é a pessoa mais exposta do país;

5) ser magnânima, aceitando e respeitando o papel da oposição em uma democracia;

6) evitar que seu governo seja mera continuidade do seu antecessor, dando-lhe uma cara própria;

7) evitar que a tentação de elevar os juros para conter a inflação emperre a indústria do país;

8) sem abdicar de seu perfil técnico, saber identificar os sentimentos populares, cuidando para não se tornar uma tentativa de imitação do presidente Lula;

9) evitar que os programas assistencialistas tomem conta das ações públicas;

10) ter cuidado com o que fala (Lula, em suas improvisações, muitas vezes escorregava na sua própria língua. Mas era Lula).

Dilma terá quatro anos para mostrar que é uma obra bem acabada de seu criador, mas, também, que tem luz própria.

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