sábado, 6 de março de 2010



06 de março de 2010 | N° 16266
CLÁUDIA LAITANO


Um dia cor-de-rosa

Boa parte das homenageadas sente uma certa gastura quando ouve falar em Dia Internacional das Mulheres. E não sem motivo. Vocês, rapazes, não têm ideia da quantidade de rosas acompanhadas por “pensamentos” que abarrotam nossas caixas de e-mail durante estes dias.

Corações, borboletas, imagens do pôr do sol e todos os matizes de tons que vão do rosa-bebê ao roxo-funeral também costumam ser convocados a fazer cenário para as frases feitas que celebram o fato de que metade da humanidade é de um jeito e não de outro.

Mas nada ameaça o predomínio da rosa, esse clichê botânico do amor, da doçura, da fragilidade – e agora também do Dia das Mulheres. Diante de uma pérola de sabedoria pousada sobre uma rosa vermelha em fundo degradê, não é preciso estar na TPM ou ter um coração de Margaret Thatcher para sair deletando mensagens na velocidade de um beijo-me-liga. (Pronto, falei.)

Mas esse é, literalmente, o lado “perfumaria” da data. Podem me mandar rosas, dentro de corações, dentro de rosas e toda a obra poética de J. G. de Araújo Jorge embrulhada em uma caixa de bombons de licor de cereja que eu não vou achar que a data deveria ser extinta do calendário para efeito de igualdade entre os sexos.

(O que, aliás, é um equívoco, porque existe, sim, um Dia do Homem, comemorado no Brasil em 15 de julho, não me perguntem por que, e no resto do mundo em 19 de novembro. A data, já reconhecida pela ONU, tem como um dos “padrinhos” o ex-líder soviético Mikhail Gorbachev. Que tal essa?)

Mas voltando ao Dia das Mulheres, a data talvez possa, sim, ser encarada como uma xaropice sem tamanho para quem mora na Islândia – país que lidera um ranking mundial de igualdade dos sexos em áreas como educação, política, saúde e trabalho.

Mas quem está na 81ª posição, como o Brasil, ainda não está podendo afetar um ar blasé de quem mora em uma quitinete de marfim. Minha tese é a seguinte: o verdadeiro objetivo do Dia das Mulheres não é obrigar os homens a nos mandar flores e má poesia ou fazer com que mulheres que ralam o dia inteiro para sustentar uma penca de filhos sem um pai por perto se sintam de alguma forma especiais pelo menos uma vez por ano.

O Dia das Mulheres deveria servir para que nós, as que tiveram as mesmas oportunidades que seus irmãos, seus maridos, seus chefes, parássemos para pensar um pouco na desigualdade dentro do nosso próprio gênero.

Temos, aqui, a Islândia e o Chade, a cientista de ponta e a mulher que aborta com uma agulha de tricô e vai sozinha, e com medo, para a fila do hospital público esperar atendimento.

A luta pela descriminalização do aborto (um passo decisivo para tirar o Brasil da indesejável companhia dos países mais atrasados do mundo), o combate à violência doméstica e o esforço para que mulheres e homens recebam salários semelhantes pelas mesmas tarefas não formam uma plataforma “feminina”, mas de direitos humanos.

Qualquer homem lúcido está do nosso lado nessas batalhas. Mas, me perdoem o sexismo, nessa guerra somos nós os generais: mulheres empresárias, mulheres que atuam na política, mulheres que têm espaço na imprensa, mulheres que, de uma forma ou de outra, atuam na sociedade civil e podem fazer alguma diferença.

O Dia das Mulheres serve para que a gente fale, sempre e mais uma vez, exatamente sobre tudo aquilo que não é cor-de-rosa.

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