quarta-feira, 31 de março de 2010



31 de março de 2010 | N° 16291
DIANA CORSO


Mestres constrangidos

Participei da gravação de um programa de televisão sobre bullying. Com o pessoal da TV Escola, buscávamos uma palavra em português para esse termo, que a esta altura já faz parte do vocabulário psico-pedagógico.

Achamos que “constrangimento” era uma aproximação, embora parecesse suave para a carga de agressividade repetitiva e intencional, em geral ocorrida entre estudantes, que essa prática pressupõe.

Derivado da palavra inglesa bully, valentão, o termo designa o achincalhamento, a humilhação sistemática que os mais fortes fazem sobre os mais fracos. Por vezes isso ocorre de forma pessoal e discreta, outras anônimas, através da internet, ou em público com o apoio de um grupo.

Esse aviltamento de um aluno por outros está representado em todas as formas da ficção e é parte da vida escolar, tanto quanto os cadernos e o quadro negro. O debate em torno do assunto é recente, mas a literatura tem relatos muito antigos da violência praticada contra aqueles que se mostram quietos, sensíveis, ou diferentes em qualquer (mínimo) aspecto dos outros.

A segunda parte do programa foi gravada numa escola estadual, onde um empolgado grupo de professores e alunos produziu blogs, pesquisas, teatro e, principalmente, um debate interessante e complexo. Foi inevitável perguntar-se: para que o bullying aconteça e se perpetue, seria preciso que o professor tenha sido de algum modo coadjuvante nesse comportamento?

Conviver com crianças e adolescentes obriga a permanecer em contato com o próprio passado. Se a infância doméstica pode até ser lembrada ao som de passarinhos cantando, a escolaridade sempre tem trilha sonora mais tensa, com acordes trágicos e raros allegros.

O professor diariamente partilha dramas que evocam memórias que ele nem sempre gostaria de manter vivas, não admira que em muitos casos seja cego ou até conivente com certas práticas das quais talvez algum dia tenha sido vítima, testemunha ou algoz.

Num passo a mais, entre as questões levantadas na escola, chegamos a uma conclusão bem incômoda: ensinar em escolas públicas hoje é estar submetido a uma prática de achincalhamento constante.

Sem remuneração adequada, prestígio social e formação continuada, o professor é um profissional desautorizado por todos. Oscila entre comportar-se como uma criança que sofre bullying, evitando ir à escola, fazendo-o com os olhos baixos e voz sumida, e a postura contrária desses verdadeiros guerrilheiros do ensino, como os que conheci na Escola Estadual Itália. A esses mestres, meu carinho.

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