sábado, 27 de março de 2010



28 de março de 2010 | N° 16288
MOACYR SCLIAR


O Brasil mudou

Somos hoje um país maduro, consciente, um país que sabe o que quer

Há alguns dias, e junto com centenas de pessoas, assisti, na Academia Brasileirra de Letras, a uma conferência magistral: Fernando Henrique Cardoso falou sobre Joaquim Nabuco, cujo centenário transcorre este ano.

É simplesmente impressionante a cultura, a fluência, e a capacidade de magnetizar o público do ex-presidente. Claro, FHC é sociólogo e foi professor na USP; tem, portanto experiência em palestras, mas seu desempenho ao microfone é fora de série.

Falou durante uma hora e meia, sem que a gente notasse o tempo passar; no final, foi aplaudido de pé. Uma senhora que estava atrás de mim comentou: Este, sim, é que é o cara. O Lula não está com nada. Uma observação aliás provocada pelo próprio Fernando Henrique, que não deixou de dar uma alfinetada no Lula quando, ao falar sobre uma possível aproximação do Brasil com os Estados Unidos, acrescentou: Que o presidente Lula não nos ouça.

Não falta quem compare Lula e FHC. Uma comparação que, para o primeiro, é desvantajosa: Lula tem origem humilde, não frequentou universidade, sua bagagem cultural (livresca, pelo menos) é modesta. Mas, tirando esse aspecto, que aliás não prejudica a fantástica popularidade do atual presidente, podemos dizer que os dois são mais parecidos do que diferentes.

Há um denominador comum, uma continuidade entre suas gestões; podemos dizer que, nesse período, o Brasil não apenas avançou, não apenas se modernizou, como mudou profundamente sua cultura política; escândalos à parte, e eles ocorrem em qualquer lugar, somos hoje um país maduro, consciente, um país que sabe o que quer. Demonstram-no os quatro potenciais candidatos à presidência. Dilma, Serra, Marina, Ciro são pessoas sérias, inteligentes, dinâmicas, combativas.

E têm muito em comum: embora não possam, os quatro, serem rotulados como de esquerda estão muito longe da direita, ao menos daquela direita clássica, autoritária, que durante muito tempo foi uma presença constante no cenário brasileiro; e estão longe de figuras no mínimo estranhas como Jânio e Collor. A rigor, os candidatos não são inimigos entre si, suas ideias não se opõem drasticamente.

Competem, pela simples razão de que só um (ou uma) pode ocupar a presidência; e só poderá nomear uma pessoa para cada ministério, para cada cargo de chefia; uma briga que não raro envolve prestígio e interesse. Mas competição faz parte da democracia. A tarefa dos eleitores será de escolher, não o menos ruim, mas o melhor. Um dilema que, convenhamos, é o sonho de qualquer país.

Não faltaram contradições à trajetória de Joaquim Nabuco. De ascendência aristocrática, criado no engenho de propriedade da família, deu-se conta, ainda criança, da vergonha que era a escravidão. A partir daí, tornou-se um abolicionista fervoroso.

Mas era um fã da Inglaterra e dos Estados Unidos, era monarquista, e gostava de desfrutar dos prazeres da vida, o que seria suficiente para que um esquerdista extremado o classificasse como burguês reacionário. No entanto, e apesar das contradições, Nabuco deu uma enorme contribuição para que o país mudasse.

E criou um modelo de ação política que agora assume sua expressão maior – e mais promissora. Cem anos depois de sua morte estamos chegando lá.

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