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sábado, 13 de março de 2010
14 de março de 2010 | N° 16274
MOACYR SCLIAR
A mensagem a Garcia e outras mensagens
O computador não está nem aí para nossos problemas sociais
Computador tem seus mistérios. Uma manhã dessas, ainda sonolento, sentei à mesa de trabalho e acessei as mensagens. Eu tinha 18 e-mails novos. Antes que pudesse responder a qualquer um deles, alguma coisa aconteceu (ou alguma coisa eu fiz acontecer), e as mensagens simplesmente sumiram.
Não só as novas, todas as mensagens, onde estavam nomes e telefones de pessoas que eu precisava estar em contato: o protótipo do crime perfeito. Nem o Beto Scliar que, além de notável fotógrafo é um gênio da informática, conseguiu recuperá-las, sobretudo porque cometi o erro de desligar o computador depois de constatar o problema, o que simplesmente sepultou qualquer esperança.
Não preciso dizer que fiquei consternado. Algumas, ou várias pessoas, que esperavam uma resposta minha não terão essa resposta, e um ou outro missivista deve estar achando que sou muito arrogante. Um trauma psicológico, portanto, para remetente e destinatário, agravado pelo fato de que o computador não está nem aí para esses problemas pessoais.
Foi, então, que me lembrei de uma outra mensagem que, esta sim, foi entregue: a mensagem a Garcia. A história está em A Message to Garcia, um ensaio inspiracional escrito em 1899 por Elbert Hubbard. Partia de um episódio ocorrido durante a guerra hispano-americana de 1899 e que teve como cenário a ilha de Cuba, então governada pela Espanha.
Os norte-americanos (bota ironia nisso) tinham se aliado aos cubanos, chefiados pelo general Calixto García (não confundam com o Sargento Garcia o atrapalhado militar que tenta, inutilmente, capturar o Zorro).
Para este, o presidente McKinley pretendia enviar uma importante mensagem. À época, isso não podia ser feito por telefone, ou por telégrafo, muito menos (e felizmente, como vocês já vão ver) por e-mail. Um homem foi encarregado dessa dificílima missão, o tenente Andrew Summers Rowan.
Escreve Hubbard: “De como este homem, Rowan, tomou a carta, meteu-a num invólucro impermeável, amarrou-a sobre o peito, e, após quatro dias, saltou, de um barco sem coberta, alta noite, nas costas de Cuba; de como se embrenhou no interior da ilha, para depois de três semanas, surgir do outro lado, tendo atravessado a pé um país hostil e entregando a carta a Garcia – são coisas que não vêm ao caso narrar aqui pormenorizadamente.
O ponto que desejo frisar é este: MacKinley deu a Rowan uma carta para ser entregue a Garcia; Rowan pegou a carta e nem sequer perguntou: ‘Onde é que ele está?’”.
Ainda que não muito brilhante, a narrativa de Hubbard transformou-se na celebração da livre iniciativa, do empreendedorismo; fez enorme sucesso, foi transformada em livro e deu origem a dois filmes. Hubbard ganhou mais de US$ 250 mil, o que, na época, era uma incrível fortuna e virou uma espécie de ícone.
Agora vejam uma outra ironia: em 1915, durante a Primeira Guerra, ele viajou para a Europa, onde faria conferências para promover o fim do conflito. Diferente de Rowan, viajou num dos melhores e mais confortáveis navios da época, o Lusitania – que, no entanto, foi afundado por navios alemães. Hubbard e centenas de outros morreram no naufrágio. Ou seja, Rowan saiu-se melhor em sua missão.
Mesmo sem endossar a celebração de Hubbard no seu texto, uma ideia ocorreu-me, depois do afundamento das mensagens: seria bom que os computadores seguissem o modelo Rowan: vamos entregar os e-mails, custe o que custar.
Mas o computador pode alegar, em sua defesa, que eu não sou o General Garcia e que, lidando com informática, estou mais para Sargento Garcia do que para qualquer outro personagem.
Não discutam com o computador: vocês perderão sempre.
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