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terça-feira, 16 de março de 2010
16 de março de 2010 | N° 16276
LUÍS AUGUSTO FISCHER
O Brasil é muitas coisas
Quem pensa sobre o Brasil, em qualquer área, já deparou com uma evidência: a impressionante força da centralização que organiza o estado brasileiro. Herdamos a tradição lusa, e Portugal nasceu como país de uma circunstância rara, já no final do século 14, já como um aparelho central e centralizador. Nosso país se criou sob essa marca; a atual força de Brasília não deixa dúvidas quanto a isso.
Nós, sulinos, sabemos bem disso. Para não recuar até a guerra dos Farrapos ou ao grupo republicano castilhista, lembremos os obscuros episódios de Getúlio envolvendo proibição de hinos e bandeiras provinciais. Assim como os gaúchos, também pernambucanos, cearenses e outros vivem a concreta história dessa centralização.
(No fundo, todas as províncias com alguma saúde econômica e que nunca foram sede do governo central sentem isso; quem não sente, de duas uma: ou não tem força e volúpia pelo poder, ou já foi capital, mesmo que informal, como Bahia, Minas, Rio e São Paulo, além daquela ilha chamada Brasília, e possivelmente Belém, que é outro planeta e tem seu centro em si mesmo.)
Mas visto de fora, e apreciado para além dos clichês identitários (praia, carnaval, futebol), o Brasil é variadíssimo. Foi o que constatei mais uma vez, ao conversar com letrados argentinos, especificamente portenhos, no contexto do projeto Expresso Porto Alegre, organizado pela secretaria municipal de Cultura da Capital. Os intelectuais de lá ficam verdadeiramente aturdidos com o nosso país, quando se põem a pensar:
Jorge Amado e Paulo Coelho estão nas prateleiras de livrarias desde há muito, mas agora junto com Clarice Lispector, Caio Fernando Abreu e João Gilberto Noll. Acaba de sair uma tradução nova para Grande Sertão: Veredas e uma primeira edição em castelhano de Os Ratos, de Dyonélio Machado (lá chamado El Día de las Ratas).
Daniel Galera também tem livro traduzido, assim como Michel Laub. Em poesia, há algum João Cabral, Adélia Prado e Drummond; Mário Quintana está por sair. E quando eles pensam que isso é tudo, são avisados de que nem chegaram ainda a Machado de Assis ou Graciliano Ramos, muito menos a Nelson Rodrigues.
(Os portenhos letrados sofisticados, adivinha, têm como referência as duas grandes vanguardas paulistocêntricas, o Modernismo, em particular Oswald de Andrade, e o Concretismo.
Tese minha: é tudo que eles queriam ter tido, mas não tiveram, especialmente os concretos, com seu amor pelo progresso, pela velocidade e tal, que para Buenos Aires soa, ainda agora, como uma adorável utopia.)
Uma explicação que lhes interessou vem de contraste simples: o país deles sempre girou em torno de uma única capital cultural, Buenos Aires, enquanto nós conhecemos essas passagens todas, com vários centros ao longo de história, mais as províncias orgulhosas querendo ser centro também, como é nosso caso.
A brasileira é claramente uma história em movimento, enquanto a deles carrega um passado notável e vislumbra um futuro incerto, lento, travado.
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