segunda-feira, 15 de março de 2010



15 de março de 2010 | N° 16275
LUIZ ANTONIO DE ASSIS BRASIL


O sorriso do anjo

“Dark ages” – assim muitos americanos gostam de designar a Idade Média. Dizem, entre outras coisas, que o conhecimento vivia aprisionado no interior dos claustros. É possível que o estivesse; mas ali apenas se mantinha preservado, à espera dos meios mais céleres de compartilhamento do saber, como a imprensa de tipos móveis.

O que não pode ser discutido, porém, é a presença pública e democrática das artes visuais e da arquitetura durante a Idade Média. A catedral gótica, por exemplo, é uma das mais refinadas expressões do espírito do homem.

Ao vê-la, é impossível não deslumbrar-se. Nada houve tão harmonioso nas épocas anteriores. A catedral obteve algo aparentemente impossível: operando com habilidade milhares de toneladas de pedra, assentadas umas sobre as outras mediante rudes engenhos, edificaram-se maravilhas de elegância e leveza.

Na catedral de Reims, junto à portada esquerda, há uma sucessão de estátuas religiosas, esculpidas num sofisticadíssimo projeto. São belas. São belas porque o são, pronto: a beleza é, conceitualmente, absoluta. O olhar do viajante – não do turista –, porém, é atraído por uma dessas imagens, representando um anjo. Não é sua grácil figura alada que mais impressiona.

O que conduz os olhos do viajante é o sorriso do anjo. Esse sorriso ilumina toda a catedral, ilumina o seu tempo e o nosso, ilumina os séculos. É um sorrir em que há muito de enigmático, porque seus olhos não possuem pupilas.

Mas há também uma plena alegria, refletida nas pálpebras que formam covinhas por debaixo dos olhos. Um sorriso metafísico, mas igualmente de presença carnal, forte e decidida. Há quem o compare ao turístico sorriso de Mona Lisa. Mas é impossível.

Precisamos esquecer a Mona Lisa por uma geração inteira. Talvez assim, na sombra do esquecimento, ela retome sua beleza. O anjo de Reims, porém, é todo novo para a cultura.

Então: sabem quando foi esculpido o anjo? Sim: na chamada “idade das trevas” – que, aliás, também nos deu Petrarca, Dante, São Francisco de Assis, Tomás de Aquino e obras como Le Roman de la Rose, La Chanson de Roland, El Cid e tantas outras que jamais perdem seu frescor e encanto.

Deixemos de lado as simplificações: tenhamos um olhar desarmado para um dos mais frutuosos períodos do percurso humano sobre a terra.

Um sorriso nos basta.


Maratona de inaugurações

Assim como os presidenciáveis José Serra (PSDB) e Dilma Rousseff (PT), governadores de olho nas eleições de outubro estão envolvidos numa maratona de inaugurações, correndo contra o tempo na tentativa de assegurar votos para si mesmos ou para os que pretendem transformar em seus sucessores.

A corrida pelo lançamento de obras aproveita brechas deixadas pela lei eleitoral sobre o período que antecede a campanha oficial. Mais uma vez, porém, o que chama a atenção é o vale-tudo dessas cerimônias, em muitas das quais o eleitor é simplesmente ludibriado.

Na maioria dos Estados, algumas das obras lançadas agora, às pressas, vão começar a funcionar de fato só quando a campanha já estiver a pleno. Outras sequer estão prontas e algumas estão concluídas há alguns anos, aguardando apenas um momento politicamente mais favorável para serem oficializadas.

Há casos particularmente mais graves, incluindo desde inauguração de maquete até o uso da máquina pública em cerimônias que se transformam em verdadeiros comícios. A sociedade, portanto, precisa ficar atenta para a necessidade de discernir o que é real e o que se constitui em peça de campanha.

Uma das atribuições de quem preside o Executivo, em âmbito estadual ou federal, é justamente dar uma destinação adequada aos recursos obtidos com os impostos dos contribuintes. A realização de obras, portanto, não pode ser encarada como um ato de bondade dos governantes.

Ao mesmo tempo, os eleitores não podem tomar suas decisões de voto baseados apenas na realização de obras físicas.

Em qualquer instância da federação, as administrações devem ser avaliadas também por legados intangíveis, como costumam ser os investimentos em áreas como educação, saúde e segurança pública.

Uma ótima segunda-feira e uma excelente semana, esta que marca a última do verão de 2010.

Nenhum comentário: