sábado, 20 de março de 2010



20 de março de 2010 | N° 16280
NILSON SOUZA


Estações

Quando a gente vê, já é outono – no ano e na vida. Para quem plantou seus sonhos de verão em terra fértil, adubou-os com amor e regou-os com o suor do trabalho digno, é tempo de colher realizações.

Para quem agiu como a cigarra da fábula, resta torcer pela ressurreição breve das folhas mortas, que na verdade nunca morrem porque se transformam no tapete colorido das calçadas, dos parques e dos jardins.

Mas a natureza cobra o seu preço pela obra de arte sempre repetida e nunca igual: de agora em diante, os dias ficarão mais curtos e as noites mais frias. E nós? Mudamos com as estações ou permanecemos os mesmos?

Pela minha percepção de observador de solstícios e equinócios, mudamos todos os dias. Hoje já não somos os mesmos de ontem e nem mais vivemos como nossos pais – contrariando a inesquecível Elis, que faria 65 anos por estes dias se não tivesse embarcado num rabo de foguete aos 36. Virou estrela.

E as estrelas também mudam de lugar, diz uma outra canção cantada pelo rei. Tudo muda, tudo se transforma e de forma cada vez mais alucinante. O trem-bala da existência humana mal diminui a velocidade nas estações, pois temos pressa e ansiedade para chegar ao nosso destino, que sequer sabemos qual será.

Quo vadis, caro leitor e cara leitora? Aonde vamos todos nesta corrida maluca, que sequer nos permite parar para observar a magia da troca de estações? Vi outro dia uma borboleta visitando flores que nasceram entre as pedras do pátio da minha casa.

Só então percebi que as flores vicejavam, geradas por ventos invisíveis que lá depositaram sementes vindas não sei de onde. Aquela borboleta me mostrava, com o seu modo espalhafatoso de voar, que um milagre ocorrera diante dos meus olhos sem que eu percebesse. Só então parei para observar aquele pequeno espetáculo da natureza, produzido com exclusividade para mim.

Esse outono que desembarca hoje no nosso hemisfério também é exclusivo, pois nenhum dia é igual ao outro.

Deveríamos saudá-lo com reverência, dar-lhe boas-vindas e desejar que não se deixe contaminar pela nossa urgência de seguir adiante. Só assim ele nos trará os frutos maduros da esperança e nos brindará com o néctar da vida, que é a percepção do encanto e da sabedoria das estações.

Espero que o outono também nos torne todos mais tolerantes, inclusive com má prosa de um cronista sensível ao movimento do sol.

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