sábado, 13 de março de 2010



14 de março de 2010 | N° 16274
PAULO SANT’ANA


Fragmentos da infância

Em 1946, nós éramos uns 30 alunos com sete anos de idade, no segundo ano primário do Colégio Aparício Borges, no Partenon.

Tínhamos o viço da infância, a leveza das almas inocentes, a cegueira sobre a vida, mas destituída de incertezas.

Éramos ansiosos do futuro, mas não tínhamos nenhuma noção do que nos esperava na vida.

Vivíamos mergulhados em folguedos e não passava pelas nossas cabeças qualquer tipo de preocupação.

Ah, a infância, os primeiros dias, os albores da vida!

O colégio nos entusiasmava, tínhamos nas aulas certamente o mesmo encantamento que têm os cãezinhos de estimação no primeiro dia em que os levam para passear na praça e só então constatam que existem outros cachorrinhos iguais a eles, que a vida não se resume só ao contato com os humanos.

Éramos almas simples, pudicas, não sabíamos sequer o que era sexo, nem tínhamos ainda a capacidade de nos apaixonar.

As aulas eram mistas, garotos e garotas, mas, como não tínhamos noção aprofundada da distinção entre sexos, éramos desprovidos de qualquer sensualidade, sem sermos misóginos.

Éramos seres incompletos, recém saídos das fraldas. Tínhamos, no entanto, enorme curiosidade sobre o que a vida nos reservaria, aprendendo, como famintos de saber, tudo o que vinha ao nosso conhecimento.

Um caderno, uma régua, um esquadro e um compasso eram as únicas ferramentas que conhecíamos para enfrentar a vida.

Naquele tempo existia uma matéria no primário que nos encantava: música.

Foi nas aulas de música da professora Irene que aprendi a cantar, que tive as primeiras noções de melodia e poesia. A maestrina ficava à frente da classe e com um diapasão que soprava delicadamente procurava e achava o tom das músicas que entoávamos com ardor cívico e intenso prazer:

Estudante do Brasil

Tua missão é a maior missão

Batalhar pela verdade

E pela tua geração.

Marchar, marchar para a frente

Lutar incessantemente

A vida, iluminar.

Ideias, avançar

E assim tornar bem maior

Com todo o amor varonil

A raça ouro-esplendor

Do nosso imenso Brasil.

Foi ali que aprendi a ler e escrever, o que me fez sentir bem mais forte e aparelhado para a existência.

A magia das primeiras palavras lidas, pronunciadas e escritas caía sobre nós como um raio de luz na escuridão da nossa ansiosa curiosidade.

Não tínhamos a agressividade que se propala têm hoje os estudantes com seus professores. Pelo contrário, as nossas professorinhas eram como deusas para nós, tínhamos um respeito reverencial por elas, tal a ânsia de conhecimento que nutríamos, parecia que elas tinham caído do céu para nos ensinar a palmilhar os primeiros caminhos da vida, tímidos e alquebrados de saber como nos constituíamos.

Matemática, português, geografia e história. Mais para quê? Lá íamos nós para a escola, para cantar no pátio antes da aula, formados em filas com nossos tapapós alvos, os hinos brasileiro, da Independência, do Trabalhador, da Bandeira. Depois, em algazarra infantil, íamos até nossas carteiras para aprender.

Aprender, aprender, que sedutora diversão aquela.

Amadas professoras do primário, nunca mais as esquecemos.

Foram elas que nos prepararam para o embate férreo, duro, espinhoso da existência.

Foram elas a nossa primeira, ímpar e forte impressão que tivemos na vida.

Rola-me uma lágrima quando relembro a nossa inocência do segundo ano primário.

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