quarta-feira, 31 de março de 2010



31 de março de 2010 | N° 16291
DAVID COIMBRA


Uma de dez e duas de cinco

Eu tinha uma de dez e duas de cinco dobradas no bolso esquerdo da minha US Top. Uma de dez e duas de cinco, nada mais. Estava duro, durango kid. Então era todo dia pão com ovo ou pão com banana, e batata, muita batata. Aí, justamente nesse dia, ela chegou. Aquela loirinha. Era uma loirinha pequena, mas não baixinha. Magrinha, mas jeitosa. Curvas, manja? Ela tinha curvas.

Ela tinha um bracinho torneado, tinha um musculinho bem ali naquele bracinho, e ela tinha um jogo nos quadris e um olhar azul de gata vadia, ela era toda dourada, cabelo dourado, pele dourada, ela era dourada e azul, aquela loirinha.

Pois ela chegou naquele dia, bem naquele dia que eu andava na maior dureza, e ela parou na minha frente e deu uma quebrada na cintura de um jeito que ela sabia dar, e me olhou com aquele olhar de viés, e me disse algo que me fez tremer todo por dentro:

– Tu sempre me quis, não é?

Minha voz saiu rouca, do fundo do peito, arranhando a garganta:

– S-sempre...

Ela sorriu um sorriso dourado e branco:

– Vamos jantar hoje?

Respondi que sim, sim, sim, muito sim! Combinamos de ir ao restaurante mais caro da cidade, que ali estava uma mulher que merecia jantares suntuosos, com consomês e pratos em sequência e maítres solícitos e tudo mais. Só depois que ela se foi, gingando, derramando a primavera por onde passava, só depois lembrei da minha situação financeira. Precisava arranjar algum emprestado. Desesperadamente.

Saí atrás dos amigos. Descrevia a loirinha para eles. Gemia:

– Ela disse: “Tu sempre me quis, não é?”, ela me disse isso, meeen! Preciso de um troco!

Fui num, fui noutro, nada. Amigos descapitalizados. Maldição.

Fui para casa aflito. Faltava uma hora para o encontro, e eu não encontrava a solução. Enquanto tomava banho, pensava no que fazer. O quê? O quê??? Aparentemente, não havia saída. E se confessasse meu estado lastimável para ela?

Ela me consideraria um muquirana (com toda a razão) e cairia fora (com toda a razão). Havia outros, muitos outros, enxameando em torno dela. O que fazer, Cristo? O que fazer???

Saí do banho com o coração confrangido. Faltavam 45 minutos. Sentei-me na borda da cama, finquei os cotovelos nos joelhos e pus a cabeça entre as mãos. Não possuía nada que pudesse vender. Pelo menos não assim, à última hora. Ninguém mais a quem apelar. E a loirinha me esperando, toda cheirosa e dourada. Desgraça! Desgraça!!!

Suspirei. Levantei-me. Ia assim mesmo, depois veria o que fazer. Tirei minha melhor camisa do roupeiro. Vesti-a. Puxei a nota de dez e as duas de cinco da calça jeans. Olhei para elas como se olhasse um quadro de Renoir. Alisei-as.

Deitei-as carinhosamente sobre o colchão. Suspirei de novo. Peguei outra calça do cabide, uma um pouco mais nova, que fazia tempo que não usava. Enfiei uma perna. A outra. Fechei a calça. Colhi a de dez e as duas de cinco da cama. Levei-as ao bolso. E aí...

... WOLFREMBAER!!!

Achei dinheiro no bolso da minha calça! Dinheiro, velhinho! Muito dinheiro! Ou, pelo menos, o suficiente para pagar a conta caríssima de um restaurante caríssimo. Olhei para o céu. Com lágrimas nos olhos, balbuciei:

– Obrigado, Senhor!

Esses jogadores que fazem gol e agradecem a Deus. Por favor! Um gol não é nada. Gols são marcados todos os dias, todas as horas, em todas as partes do mundo.

Achar um buquê esquecido de reais no bolso de uma calça jeans quando uma loirinha jeitosa, com um bracinho com musculinho, com curvas e negaças à mancheia, com um jeito todo dela de quebrar os quadris, achar dinheiro para pagar a conta do restaurante quando uma loirinha dessas espera por você, isso, rapaz, isso sim é ser abençoado pelo Todo-Poderoso, isso sim faz um homem sair por aí com uma camiseta apregoando: “Deus é fiel!” Como é.

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