quarta-feira, 17 de março de 2010



17 de março de 2010 | N° 16277
DIANA CORSO


Bonde para elas

Na idade da pedra do feminismo, algumas mulheres livres adotavam vestimentas masculinas, por vezes até nomes ambíguos, para poder circular em ambientes que eram vedados às saias. A entrada no mercado de trabalho foi marcada por sucessivos movimentos de mimetismo com a identidade masculina, único modo estabelecido até então.

Tão diferente da proclamada sensibilidade e delicadeza das mulheres, muitas adotaram condutas agressivas, de intransigência e intolerância, quando precisavam se impor em alguma posição de mando. Mas a violência física era uma exclusividade do homem, não foi uma característica incorporada pelas mulheres em busca de um lugar ao sol fora de casa.

Eventos recentes, nos quais episódios de violência foram protagonizados por “bondes” (gangues juvenis) femininos, organizando brigas entre grupos de meninas rivais, chegando inclusive a travar lutas letais entre elas, mostram que as mulheres adquiriram mais um péssimo hábito masculino.

Esses eventos podem não significar muito mais do que o vazio de perspectivas entre os adolescentes, que os reduz a recursos primitivos de construção de identidade: serve fazer-se reconhecer pela força, participar de provas físicas de coragem e dar mostras de poder que só valem para o prestígio interno ao grupo.

Para esses adolescentes de horizontes curtos, a sociedade em que vivem, o mundo fora de seus redutos grupais, é visto como uma floresta na qual eles vão “caçar” os objetos e o dinheiro necessários para o reconhecimento interno.

Seu guru, quando há um, é o traficante. As mulheres sempre participaram dessa vida sem sentido, que infelizmente é a de muitos brasileiros, mas quase sempre como mães e namoradas. Ter seu próprio bonde é uma questão, portanto, de igualdade social, equiparação de papéis, por que não?

Mas não se trata de voltar ao tempo das mulheres vestidas de homens. As meninas dos bondes não são de aparência masculinizada, elas podem usar roupas de feminilidade escrachada, justas e mínimas, e incorporam as armas em seu visual Lara Croft de subúrbio, como mais um adereço insinuante.

A sensualidade agressiva dessas piriguetes armadas é, sim, um elemento a mais para pensar: numa torção marginal de sua clássica posição de objeto, as meninas do bonde podem ostentar seus atributos em público e tirar vantagem com eles equiparando-se à supremacia da força masculina.

Elas não são mais presas, são predadoras. Se o mundo é uma selva, os novos espaços conquistados pela mulher vão requerer o uso do tacape.

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