quarta-feira, 17 de março de 2010



17 de março de 2010 | N° 16277
PAULO SANT’ANA


De partir o coração!

Eu sei que muita gente morre por falta de atendimento hospitalar. Eu sei que muita gente sofre agruras inenarráveis por falta de atendimento hospitalar.

As autoridades se desdobram para conseguir leitos para todas as pessoas. Eu exageraria, no entanto, se dissesse que nos faltam milhares de leitos hospitalares?

Não exageraria, milhares de pessoas morrem por falta de atendimento hospitalar. Centenas, se quiserem, mas, se somadas a outras centenas, são milhares.

O repórter Maurício Gonçalves, da RBS TV, escreveu-me compungido por um desses casos, dos quais, sempre que tomo conhecimento, sinto-me como se fosse parente de uma das vítimas.

Ele me conta que a feirante Juracy Benedet, com 60 anos, teve um AVC no dia 4 de março corrente.

Foi internada então no Hospital Dom João Becker, em Gravataí. Só que naquele hospital não existe neurocirurgião, atendimento de que ela necessitava.

Ela ficou esperando a morte naquele hospital, à procura de uma vaga onde se pudesse prestar-lhe o atendimento necessário.

Não se diga que seus familiares ficaram inertes. Sem vaga em nenhum hospital, com a morte se aproximando, enfrentaram uma cruzada contra o tempo. Um advogado conseguiu três liminares com ordens para internamento imediato de dona Juracy num hospital competente. As três ordens judiciais foram ignoradas.

Dona Juracy continuava a morrer abandonada.

Até que veio a morrer, com total falta de recursos no último sábado, dia 13 de março.

O repórter me escreveu, certamente porque sabe que tradicionalmente me ocupo com falta de atendimento de saúde: “Fui designado para cobrir o caso desse drama para o Jornal do Almoço, rumei para Gravataí. Depois de 15 anos como jornalista, é em momentos como esse que dá vontade de largar tudo.

Me sinto um derrotado. Porque a gente mostra, vive mostrando, mostra de novo o drama da falta de atendimento de saúde, mês após mês, e nada muda. Gente morrendo por falta de leito! É surreal demais!”.

Já que não há vagas nos presídios para os criminosos, o mínimo requisito para que nos considerássemos uma sociedade civilizada, com parco sentido de organização, é que tivéssemos leitos nos hospitais para toda pessoa paciente de doença grave. No mínimo isso.

Mas nem isso nós temos. Como é que se pode compreender um meio social em que quem adoece não recebe atendimento em hospital? Como?

Este caso da morte da dona Juracy abandonada pelos meios de atendimento de saúde é raro no seguinte sentido: a imprensa tomou conhecimento dele.

Na grande parte dos casos, milhares de pessoas morrem ou vão definhando de posto de saúde em posto de saúde, sem o devido atendimento hospitalar, sem que a sociedade tome conhecimento desses fatos escabrosos.

Eu não entendo como possam funcionar o Executivo, o Legislativo e o Judiciário de uma sociedade que nega atendimento médico para seus integrantes. Não tem sentido erguerem-se as instituições se não se dá hospital para doente grave. Não tem sentido.

Até quando vamos encenar eleições sobre eleições, governos sucedendo uns aos outros, se não há lugar nos hospitais para os doentes?

Até quando?

É o fim da picada.

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