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terça-feira, 23 de março de 2010
ELIANE CANTANHÊDE
Gilmar, Nardonis e os bodes
BRASÍLIA - A Justiça é cega, surda e muda, mas de mudo Gilmar Mendes não tem nada. Muito menos na presidência do Supremo.
Gilmar fala -e fala muito. Obstinado (ou teimoso, como dizem seus amigos), ele mergulhou em duas cruzadas de caráter inclusive didático. Numa, ficou rouco de tanto falar em Estado de Direito e surdo à gritaria da opinião pública. Na outra, viajou de Estado em Estado para averiguar e melhorar condições e procedimentos da Justiça.
A principal marca de sua gestão são os dois habeas corpus a favor do banqueiro Daniel Dantas e contra o que ele chama de "conúbio espúrio de polícia, juiz e membro do Ministério Público", à frente o delegado da PF Protógenes Queiroz, imbuído de um espírito justiceiro que, quanto mais encanta as pessoas, mais perigoso se torna. Foi o pior momento para Gilmar, mas ele sobreviveu, Protógenes caiu.
Acusado de proteger os bulldogs num dos países mais desiguais do mundo, o maior orgulho de Gilmar foi tentar salvar vira-latas das cadeias pulguentas país afora. Na sua contabilidade, resgatou 20 mil.
Gente que estava presa sem motivo, sem defesa, fora de prazo -ilegalmente, portanto. Muitos durante meses, anos, vidas.
O Brasil muda de patamar em várias áreas, mas precisa de mais determinação para punir desmandos de poderosos (quem pode pode...) e poupar desdentados e injustiçados.
Gilmar, porém, está convencido de que não se resolvem as coisas com bodes expiatórios, enquanto a opinião pública -como se vê justamente neste momento, com o casal Nardoni- adora bodes expiatórios para fingir que somos mais justos.
Na entrevista de Gilmar à Folha de ontem, sua melhor provocação é que "às vezes os confrontos são necessários". É verdade. Avanços não se fazem com bom-mocismo, acomodação e muito menos covardia, três condições que não cabem em Gilmar Mendes. Só que isso tem custo. Ele bem sabe o quanto.
elianec@uol.com.br
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