sábado, 20 de março de 2010



21 de março de 2010 | N° 16281
MOACYR SCLIAR


Pobreza não quer dizer burrice

Adolescentes carentes nos dão lição de bom senso e dignidade

A notícia passou quase despercebida, talvez porque más novas atraiam mais a atenção do que boas novas. Mas vale a pena analisá-la, porque é muito importante para o nosso país e porque não é retórica, não é blá-blá-blá: baseia-se em números e, como disse o grande cientista Lord Kelvin, tudo que é verdadeiro pode ser expresso numericamente.

A notícia: o número de partos de adolescentes de 10 a 19 anos realizados pelo SUS (Sistema Único de Saúde) caiu mais de um terço (34,6%) no período de 2000 a 2009. Em particular, de 2008 a 2009 a queda foi de 8,9%.

Vamos pensar um pouco nessas cifras. O que significam? Em primeiro lugar, precisamos considerar que o SUS é o maior prestador de serviços de saúde nesse país; para as camadas mais pobres da população, é praticamente o único prestador desses serviços.

Ou seja: o que acontece no SUS reflete o que acontece com a maior parte da população brasileira, especialmente com os carentes. Se caiu o número de partos em adolescentes, isso significa que caiu o número de grávidas entre adolescentes, a menos que tivesse havido uma ascensão grande da interrupção da gravidez, o que certamente não é o caso.

E se caiu o número de grávidas entre adolescentes, esta é uma boa notícia, porque a gravidez na adolescência muitas vezes se configura como grave problema de saúde e igualmente grave problema social. No passado, isso era visto como o resultado de uma espécie de perversidade por parte dos jovens pobres, que teriam a tendência a se reproduzir como coelhos malucos. Preconizavam-se drásticos programas de controle da natalidade, incluindo a esterilização.

Os números agora mostram que pobre não é burro nem mal intencionado. Devidamente orientadas, e tendo acesso aos recursos, as pessoas, mesmo carentes, acabam por adotar as medidas de anticoncepção e de proteção contra doenças sexualmente transmissíveis. Prova disso é que a maior redução de partos ocorreu na região mais pobre do país, o Nordeste.

Não estamos falando de milagres, estamos falando do resultado de um trabalho concreto e objetivo.

Em 2003, uma parceria entre os ministérios da Saúde e Educação deu início a uma série de ações de prevenção de DSTs e da gravidez indesejada em colégios públicos.

Mais de 8 milhões de alunos de 54 mil escolas, em 1306 municípios, foram orientados a respeito. Nos últimos dois anos, 871 milhões de camisinhas foram distribuídas para toda a população. Os preservativos podem ser retirados por qualquer pessoa nos postos de saúde.

Ou seja: mesmo aos trancos e barrancos, o país melhora. Aos poucos, vamos deixando para trás a mentalidade elitista e autoritária que durante muito tempo marcou a história brasileira. As adolescentes disso agora dão testemunho. E dão-nos também uma lição de bom senso e de dignidade.

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