quarta-feira, 24 de março de 2010



24 de março de 2010 | N° 16284
DAVID COIMBRA


O homem que é 10 na vida

Alguns homens são camisa 10 na vida. Júlio César. Típico 10. Jogava com elegância. Quando estava no começo da carreira política, foi sequestrado por piratas sicilianos. Durante o cativeiro, cativou-os.

Jogaram dados juntos, riram, caçoaram uns dos outros como se fossem guris, o que, na verdade, nenhum homem jamais deixa de ser. Tornaram-se amigos, enfim. César quis saber quanto haviam pedido pelo resgate. Vinte talentos, responderam. Uma quantia formidável para a época. Mas César se ofendeu.

– Vinte talentos?!? Por mim?!? Valho muito mais! Peçam 50, no mínimo!

Os piratas se divertiram com o bom humor do jovem romano e aumentaram o pedido. Receberam os 50 talentos. Depois de mês e meio, Júlio César voltou a Roma. Não parou para dar coletiva à imprensa. Reuniu legionários, formou uma esquadra poderosa e partiu atrás dos piratas. Encontrou-os e os capturou com certa facilidade. Depois, mandou crucificá-los.

Mas não se podia dizer que César se alimentasse dos fluidos azedos da vingança. A crucificação dos piratas serviu apenas para dar um aviso a quaisquer outros que pretendessem se meter a valentes como ele. César sabia perdoar. Perdoava.

Perdoou: romanos influentes que o desafiaram e lutaram ao lado do seu inimigo Pompeo, ele não apenas os anistiou como os nomeou para cargos públicos. Um ato de grandeza. E um erro. Entre esses romanos influentes estava o filho de uma antiga amante sua, Servília, tomado pelo próprio César como filho adotivo. Chamava-se Brutus e foi dele uma das 23 facadas que assassinaram César aos pés da estátua de Pompeo, em 15 de março de 44 a.C.

Mesmo os camisa 10 cometem erros estratégicos.

Não importa, continuam sendo 10.

Um 10 tem que ter autoridade sem ser autoritário, tem que ter elegância sem afetação, tem que liderar pelo exemplo, não pelo discurso. Alexandre, o Grande, era camisa 10. Não é à toa que Plutarco o ombreou com César em seu “Vidas Comparadas”. De Alexandre conta-se que jamais rejeitava o amor que lhe devotavam, e isso é bem de um 10.

Napoleão foi o maior camisa 10 da França. Até Zinedine Zidane, que, embora não jogasse com a 10, mas com a 5, era um 10 clássico. Hitler não era 10; era 11; era um Edmundo, um Dé, hoje ninguém lembra mais do Dé, que jogava muito, mas era mau caráter em campo.

Mussolini, aquele bufão, era um lateral-esquerdo que vivia tomando bola nas costas e arrumava as meias antes de cobrança de falta em jogo decisivo. No English Team, pode dar a 10 para Sir Winston Churchill. Nelson Mandela será para sempre o 10 da África do Sul. E no Brasil só houve um: Getúlio Vargas.

Além de Pelé, claro. E Rivellino, o melhor depois de Pelé.

E Zico e Zizinho e Ademir da Guia e Dirceu Lopes e Ronaldinho Gaúcho. Esses sete acima citados são os melhores 10 do futebol brasileiro, e foram relacionados em um livro que listou os 11 melhores 10 de todos os tempos do Brasil. Além deles foram incluídos Raí, Neto, Rivaldo e Kaká. Talvez eu fizesse uma concessão a Rivaldo, de fato um craque, mas os outros três, de jeito nenhum.

Suponho que Marcelo Barreto, o autor do livro, tenha escolhido Neto para afagar a torcida do Corinthians e Raí para flertar com a do São Paulo. Kaká? Nunca foi 10: 8 no máximo. De qualquer forma, o autor fez suas escolhas.

O Grêmio teve um 10 melhor do que esses: Paulo César Caju. No Inter, Carpegiani se aproximou de ser um 10, 10 mesmo, mas não era: faltava-lhe a gana do gol. O que Falcão também não tinha.

Tivesse, a 10 era dele. Mas Falcão ficava bem com a 5, um 5 estilo Franz Beckenbauer, o Kaiser, de quem se dizia que não sabia qual era a cor da grama, porque não olhava para o chão quando jogava.

Cinco como esses foram raros. Fernando Redondo, quem sabe? Mas estou tergiversando. Fiquemos nos grandes 10, que é o dobro de 5. Dener? Amarildo? Dida? Mário Sérgio? Quais outros você listaria nesta seleção? Diga lá.

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