terça-feira, 30 de março de 2010



30 de março de 2010 | N° 16290
LUÍS AUGUSTO FISCHER


Tão perto, tão parecidos

Quando nós, sulinos, pensamos na Argentina, pensamos em uma terra próxima, que conhecemos de longa data, com quem trocamos cumprimento rotineiramente, nós indo lá para compras, ele passando aqui em busca das praias catarinas.

No passado, quando Portugal e depois o Brasil independente lutavam contra a Espanha e depois as províncias platinas, foi o Rio Grande do Sul a arena da disputa, a face concreta do Brasil, quase sempre.

Por outro lado, a história econômica, aquela que define o modelo de vida de uma região, mais nos une que nos aparta dos vizinhos países: gado aqui, gado lá; imigrantes europeus pobres lá como cá; culturas de clima temperado dos dois lados da fronteira.

As diferenças são notáveis também, é claro. A Argentina e o Uruguai são países, e o RS, uma província do Brasil; nosso poder de decisão é muito menor a respeito de muitos itens centrais da vida, como política monetária ou externa. Sem contar que em nosso Estado a escravidão foi muito mais significativa, a prazo largo, do que nos dois países vizinhos, que no entanto também carregam essa marca em seu passado.

No campo político e ideológico, a comparação rende muitos estudos.

Há o clássico (e pouco lido) ensaio de Raymundo Faoro sobre Simões Lopes Neto a Amaro Juvenal, que traça aproximações e distâncias nesse campo: o RS, como os países platinos, também viveu em certo momento a política como confronto de duas posições excludentes, que depois se dissolveram e de que hoje restou apenas o Grenal como lembrança, já que hoje também nosso Estado mergulhou nessa mixórdia geral da política de balcão, em que se negocia qualquer coisa com qualquer partido, desde que a moeda convenha. (Agora mesmo, não se distingue qualquer agremiação de qualquer outra, não é?

Tendo horário de tevê e financiamento, gato pode cruzar com urubu, maragato com chimango.)

Vai então a sugestão de uma leitura para ajudar a compreender a formação mental da Argentina, e para contrastar com a história brasileira e a gaúcha: A Invenção da Argentina – História de uma Ideia, de Nicolas Shumway (2008, Editoras da USP e da UnB, trad. Sérgio Bath e Mário Higa).

Um belo estudo, claro e límpido de ler (a prosa acadêmica norte-americana tem dessas virtudes), em que se desenha, na política e no campo das ideias, a história da clássica oposição entre a elite portenha, urbana e cosmopolita, de discurso liberal e com pouquíssimo gosto pelos índios e “gauchos”,

representada recentemente pelo falido De La Rúa e na literatura por Jorge Luis Borges (sim, sei que estou simplificando), e outra elite, provincial, de trato caudilhesco, de origem rural e/ou interiorana, próxima do povo mas para fins populistas, sem horizonte internacional forte, em geral representada pelo peronismo e pela literatura gauchesca. No ano do bicentenário da independência deles lá, é boa leitura.

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