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sexta-feira, 5 de março de 2010
05 de março de 2010 | N° 16265
DAVID COIMBRA
Peixe e jujuba
A Marisa Monte compôs uma música enaltecendo a jujuba, tempos atrás. É preciso destreza para cantar a jujuba e não ficar parecendo, sei lá, meio abobado. Porque a jujuba é irrelevante em si.
Chegou a gozar de certa fama no planeta quando foi divulgado que Ronald Reagan amava a jujuba, que mastigava jujuba todos os dias na Casa Branca. Fama, porém; não prestígio. A jujuba não cresceu graças a Reagan; Reagan é que diminuiu por causa da jujuba.
Marisa Monte também não conseguiu sublimar a jujuba. A música saiu-lhe juvenil. Enfim. Talvez a jujuba só se eleve a outro patamar se for versejada por um Chico Buarque, um Paulinho da Viola. De qualquer forma, o que importa é que algumas músicas dizem muito de quem as faz, bem como de quem as admira.
Houve, por exemplo, um presidente da República que tinha como música preferida o Peixe Vivo. Juscelino Kubitschek. O Peixe Vivo foi entoado no enterro dele, inclusive. Isso sempre me intrigou. Porque, se o Peixe Vivo, em termos melódicos, empata com O Sapo não Lava o Pé, perde de goleada, em profundidade poética, para Atirei o Pau no Gato.
Como pode, então, um peixe vivo viver fora da água fria e um presidente da República ter essa música como a sua preferida, dentre todas as músicas da Terra? Seria JK um indivíduo prejudicado intelectualmente? Meio abobado, como soam os bardos da jujuba?
Não é o que aparenta. JK é incensado como presidente. Ganhou minissérie e tudo mais. Por que mesmo? Qual a sua grande realização? Foi um desenvolvimentista, tanto quanto Lula ou Médici. Mas sua maior façanha foi a construção de Brasília, que está prestes a completar 50 anos.
Brasília deve ter algum ponto positivo, embora eu não saiba qual. No aspecto urbanístico é um desastre. Uma cidade que exclui as pessoas. Que foi (mal) planejada para o automóvel. Não se pode caminhar na vastidão de Brasília, é impossível vencer qualquer distância, se o percurso não for feito sobre rodas.
Mas esse nem é o principal defeito da cidade. Seu principal defeito é a sua razão de existir. Brasília foi erguida para ser a capital política do Brasil. Plantada no meio do nada, habitada por funcionários públicos, Brasília vive longe do Brasil.
Muito do pior que ocorreu no país, nestes 50 anos, não ocorreria se a capital fosse o Rio. Exemplo: em 1984, os militares mandaram cercar o Congresso para impedir que o povo assistisse à votação da emenda das Diretas Já. Isso seria concebível no Rio? Numa cidade de verdade? Brasília é permissiva. É a Sodoma dos corruptos.
JK, ao que se sabe, não foi corrupto. Mas permitiu que a corrupção se misturasse ao cimento de cada prédio de Brasília, enquanto ela era construída. Por fim, a própria construção da cidade é um escândalo.
Constantino transformou Bizâncio em Constantinopla e para lá transferiu sua capital, mas Constantino era o imperador de Roma. Queóps plantou no deserto a Grande Pirâmide, mas Queóps era o faraó do Antigo Egito. JK aparafusou Brasília no vazio, e quem era JK?
Não acredito que fosse um tolo. Era um espertalhão. Sabia o que fazia, seu objetivo era tornar-se imortal como um faraó, como um césar. Conseguiu. Até o gosto pelo Peixe Vivo deve ter sido calculado a fim de massagear o espírito singelo do brasileiro. Assim, posso dizer que compreendo o Peixe Vivo de JK. Para a jujuba de Marisa Monte, não tenho explicação
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