Aqui voces encontrarão muitas figuras construídas em Fireworks, Flash MX, Swift 3D e outros aplicativos. Encontrarão, também, muitas crônicas de jornais diários, como as do Veríssimo, Martha Medeiros, Paulo Coelho, e de revistas semanais, como as da Veja, Isto É e Época. Espero que ele seja útil a você de alguma maneira, pois esta é uma das razões fundamentais dele existir.
sábado, 7 de novembro de 2009
08 de novembro de 2009 | N° 16149
VERISSIMO
Do outro lado da parede
– Bé! Bé!
Era o som que ouviam do apartamento ao lado. Na maior parte do tempo não ouviam nada. Os vizinhos, um casal de meia-idade, eram silenciosos. Não faziam qualquer ruído. A não ser aquele que atravessava a parede três ou quatro vezes por dia, todos os dias.
– Bé! Bé! Às vezes, mais intrigante ainda:
– Béééééé! Béééééé!
O que seria aquilo? Os vizinhos não podiam estar criando cordeiros no apartamento. E era uma voz humana.
Uma voz feminina. – Bé! Bé!
Ou, com ainda mais volume, com raiva:
– Bééééé! Bééééé!
O que seria aquilo, meu Deus?
Descartaram a hipótese de ser algum jogo erótico do casal.
Ele: – Faz ovelhinha, faz.
E a mulher: – Bé! Bé!
– Mmmm. Faz de novo.
– Bééééé! Béééééé!
– Agora começa a tirar as meias...
Não. O casal não tinha mais idade para isso. E o som não era carinhoso, não era dengoso, não tinha nada a ver com amor. Era estridente, impaciente...
– Bé! Bé!
Um dia, não se aguentaram e convidaram o casal do lado para uma visita. Nada formal, um cafezinho. Para se conhecerem melhor. Afinal, tinham se mudado para o prédio havia algumas semanas, logo depois do casamento, já era tempo etc., etc. Não planejavam perguntar, de cara: “Vem cá, que história é essa do “Bé! Bé!”? Mas talvez, no decorrer da conversa, os vizinhos revelassem alguma coisa.
Dessem uma pista. E o mistério do “Bé! Bé!” finalmente se esclarecesse.
Na hora marcada, os vizinhos apareceram. Os dois casais já tinham se cruzado no corredor e no elevador mas ainda não tinham se apresentado. Os vizinhos pareciam ter a mesma idade: 65, 66, por aí.
Ele mais bem conservado do que ela. Foi ele quem fez as apresentações:
– Eu me chamo Onófrio, e minha esposa se chama Elizabeth.
Disse o nome dela com pronúncia inglesa. “Beth” com o som de “besta” e o “th” no fim, a língua entre os dentes. Ela revirou os olhos e corrigiu:
– Elizabéti! – Elizabeth – repetiu ele, sem alterar a voz, sorrindo e enfatizando a pronúncia inglesa.
– Béti, Onófrio. Béti! – Beth.
– BÉ! BÉ!
Durante a visita, só ele falou. Contou que estavam casados há 40 anos. Ela suspirou. Contou que não tinham tido filhos, mas que eram muito felizes. Ela olhou para o alto, como que suplicando a Deus que viesse buscá-la, ou pelo menos fulminasse o marido com um raio.
No fim, ele anunciou o fim da visita, agradeceu a hospitalidade e o cafezinho, e disse:
– Vamos indo, Elizabeth? – Bééééé! Bééééé!
– Imagina como é a vida deles.
– Um inferno. Há 40 anos. Ele chamando ela de um jeito e ela corrigindo.
– Eu não agüentava. Eu já teria fugido de casa. Ou atirado uma frigideira na cabeça dele.
– Mas ela, também... Francamente.
Por que não aceita a pronúncia dele e deixa pra lá?
– Mas ele só faz para implicar.
– Pois então? Mais razão para não dar bola e... Escuta.
A vizinha estava gritando, do outro lado da parede:
– Bé! Bé!
– Será que nós um dia vamos ser assim?
– Não sei. – Promete que nós nunca vamos ser assim.
– Olha...– Promete! E do outro lado da parede:
– Bééééé! Béééééé! Um dia, não se aguentaram e convidaram o casal de vizinhos
para uma visita...
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