sábado, 7 de novembro de 2009



08 de novembro de 2009 | N° 16149
MARTHA MEDEIROS


O calor e o frio dos outros

MAntenho correspondência por e-mail com algumas pessoas que moram fora de Porto Alegre e fora do Brasil. Não há um único e-mail, de ida ou volta, em que não se fale rapidamente do tempo. Aqui está um calor dos infernos. Pois aqui choveu o dia inteiro e refrescou.

Uma conversa mundana que eu achava típico de pessoas mundanas como eu, mas quando li o livro que traz as cartas que Clarice Lispector trocava com alguns de seus amigos, reparei que 90% delas também continham observações meteorológicas. Por mais filosófico ou intelectual que fosse o teor da carta, sempre havia um momento para falar do sol ou do nublado lá fora.

Fico pensando o que significa isso. Que me importa se em Paris está chovendo ou se no Rio faz 42ºC à sombra, já que não estou de passagem marcada para lá? O que importa para meus amigos forasteiros se em Porto Alegre choveu muito em 2001? Todos os dias chove ou faz sol, está frio ou quente, úmido ou seco, e a cada manhã isso nos parece um fenômeno sobrenatural e espantoso.

Creio que compartilhar as condições climáticas do lugar em que se está é um recurso de aproximação. É uma maneira de nos situar geograficamente, de preparar um cenário “visível” para quem não está nos enxergando. Lá no hemisfério norte a pessoa está encarangada, congelada, e no entanto pode nos imaginar bronzeada e suando, vestindo uma leve blusinha de alças.

E talvez seja também uma maneira de justificar nosso humor: temos nossas próprias variações de temperatura, somos pessoas nubladas ou ensolaradas, gélidas ou quentes.

A meteorologia nos influencia tanto quanto a posição dos astros, e se não estamos muito pra conversa, vai ver é porque tem uma ventania lá fora que está perturbando por dentro também.

Não sei se você está lendo este texto na beira da praia ou embrulhado num cobertor. Não sei onde você está. Não sei se há um temporal se armando ou se está um daqueles dias cinzas que provocam melancolia na gente.

Se eu soubesse, talvez soubesse um pouco de você. É um mistério que a natureza não explica: nossa necessidade de localizar o outro climaticamente.

Relutamos em perguntar: você está deprimido hoje? Chorando muito? Com vontade de cometer uma loucura? Com saudades de alguém? Em vez disso, é tão mais fácil: como é que está o tempo aí?

Aqui, agora, chove, mas acho que vai abrir.

Isa: Fique a vontade para deixar comentários aqui e fico feliz que seja doravante uma leitora assídua. Ele é feito para pessoas como você. Obrigado e um lindo domingo para todos nós.

Um comentário:

De tudo um pouco disse...

Enquanto lia a cronica de Martha Medeiros, ocorreu-me "reparar!" em que situação estava,vi-me com uma caneca de café quente na mão, fixei-me na fumaça da caneca, parecia "moldar" nuvens pelo espaço calmo e aquecido da sala, percebi então, o quanto a pergunta sobre o tempo, pode realmente, aproximar as pessoas porque por uma fração, senti-me perto de alguém, lindo post! Parabéns!