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sábado, 4 de abril de 2009
04 de abril de 2009
N° 15928 - PAULO SANT’ANA | MOISÉS MENDES (Interino)
A guerra das bicicletas
O chão não ferve no verão no Alegrete porque a cidade, as coxilhas, as várzeas e o Rio Ibirapuitã estão sobre uma laje. É verdade que Alegrete se esparramou sobre pedras. Mas o calor vem mesmo da proximidade do sol.
O sol do Alegrete fica a cinco metros do chão. Só há sombra no Alegrete depois das sete da tarde e quase todas se escondem debaixo de árvores. Mesmo assim, as corridas de bicicleta eram disputadas a qualquer hora, sob qualquer sol, ao redor da Praça Getúlio Vargas.
Vejo as bicicletas de Porto Alegre serem tratadas como estorvo e lembro que as bicicletas dos anos 70 no Alegrete eram as donas da praça. Corria-se porque alguém juntava uma turma numa esquina e gritava: largaram. Zarif era sempre o vencedor, com uma bicicleta aro 14, mesmo que chegasse em último lugar. Zarif era o menorzinho.
Do Alegrete, até do sol do meio-dia sente-se saudade. Mas se sente falta mesmo do alvoroço das bicicletas.
Das maratonas de homens que cumpriam gincanas solitárias e inúteis ao redor de alguma coisa. Como o peruano, ou venezuelano, ou boliviano que ficou três dias e três noites andando em círculos em volta da estátua de Manoel de Freitas Valle Filho.
Pedalava em torno do Manequinho para bater um recorde mundial de permanência sobre bicicleta. Chegou sem que ninguém visse e desapareceu sem que ninguém notasse. Correu na cidade que levara a filha de alguém junto. Eram irresistíveis os forasteiros que andavam de bicicleta pelo Interior.
Até bem pouco, imaginava-se que esse tipo de memória seria uma reserva boa do que nunca mais vai se ter na vida. A bicicleta do Iberê, símbolo do museu erguido às margens do Guaíba, só foi desenhada com aquelas garatujas porque é um objeto da infância, é o rosebud de todos nós, o segredo do Cidadão Kane.
Mas a bicicleta está aí de novo. Brinca-se de pedalar em Porto Alegre com o atrevimento com que Zarif disputava as corridas no Alegrete. As bicicletas perdem sempre para os carros em Porto Alegre.
A cidade alargou avenidas, como a Aparício Borges e a Juca Batista, sem que nenhum centímetro de asfalto fosse reservado aos ciclistas. Até Camboriú tem mais ciclovias do que Porto Alegre.
Mas se insiste em brincar de pedalar e trabalha-se pedalando em bordas de asfalto em Porto Alegre. São estes, os que pedalam nas periferias para viver, pedreiros, carpinteiros, biscateiros, estudantes, mulheres que vão aos bolichos levando os filhos pequenos na garupa ou em cestinhos dependurados no guidão, os mais desrespeitados pelos urbanistas de Porto Alegre.
Esta semana, ciclistas de Bogotá, cidade com mais de 300 quilômetros de ciclovias, saíram em comboio para exigir mais pistas numa das capitais que mais dão espaço a quem pedala. Tinha até mulher com seios de fora.
Os ciclistas de Porto Alegre não precisariam de tanto para reivindicar mais respeito. Imagino o dia em que alguém com autoridade para tanto convocará os ciclistas da cidade, os que passeiam, os que praticam esporte e os que trabalham para uma mobilização que provocará grandes engarrafamentos em vários pontos na hora do pico.
Vejo a cidade estrangulada por uma transgressão gigantesca ao final da tarde. Numa sexta-feira, quando todos querem voltar logo para casa para espichar a sensação de fim de semana. As bicicletas impedirão o fluxo dos carros, e vendedores de rosas, de canetas, de água mineral e de pastéis farão a festa nas sinaleiras. Porto Alegre precisa ser chacoalhada em sua mesmice urbana. Esta é uma missão para os ciclistas.
Não consegui contato com o Sant’Ana ontem para acertar o tom do abraço aos colorados. Que comemorem os cem anos com intensidade hoje porque amanhã será outro dia e a cidade não comporta duas grandes festas.
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