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quarta-feira, 4 de março de 2009
04 de março de 2009
N° 15897 - DIANA CORSO
Fogo amigo
Uma jovem advogada pernambucana foi agredida por skinheads na Suíça e sofreu um aborto. Ficamos indignados como todos os cucarachos latino-americanos sempre malvistos no primeiro mundo.
Porém, como todos já sabem, ficou provado que ela não podia perder a gestação gemelar, por não estar grávida. Pior, os cortes com a inscrição da sigla de um partido neonazista em seu ventre e pernas foram autoinfringidos. Ficamos confusos.
Em qualquer circunstância, minha filha é vítima, afirmou o pai da moça, quer seja da agressão ou de distúrbios psicológicos. A verdadeira vítima dessa farsa é a credibilidade daqueles que foram realmente agredidos, em genuínos episódios de intolerância.
A indignação desta vez é pela mentira, pelo constrangimento diplomático, afinal ela envolveu gente geralmente ocupada com assuntos mais importantes.
Paula Oliveira bancou uma gestação falsa. Grandiloquente em suas fantasias, fez crer que esperava mais de um bebê. Para livrar-se dessa mentira, inventou uma maior, a agressão. O papelão dessa moça certamente não foi planejado. Pode ter sido um apelo delirante para que todo mundo perceba a mutilação representada pela gestação ausente. OK, são suposições, pois dessa moça pouco sei.
Mas sei da vida das mulheres: aquela que deseja muito a maternidade e não é agraciada sente-se perseguida, discriminada, julga ter um direito que lhe é negado e um corpo que não está lhe permitindo isso, muitas talvez quisessem chamar seu próprio corpo improdutivo de nazista.
Essa hipótese só serve para lembrar que nossa vida psíquica trava seus combates internos, possui seus inimigos na trincheira. São nossos próprios desejos que muitas vezes nos vitimam com um fogo amigo, expressão utilizada nas guerras, quando um exército atrapalhado abate algum dos seus.
A solução para isso não é a vitimização, como sugere o pai, acusando algo externo, quer seja uma doença ou um perseguidor. A cura nesses casos passa por aceitar que se foi protagonista dessa cena e entender por que se fez isso. Como psicanalista, só posso lhe desejar um bom tratamento.
Para não abrir fogo amigo é preciso reconhecer as aparências que enganam, pois há partes de nós mesmos que parecem ser inimigas: quando nos boicotamos, nos inibimos, ou não sentimos o que deveríamos.
Por estranho que pareça, sempre carregamos conosco algum tipo de estilete, destinado a nos ferir ou a servir de álibi para nossas pequenas e grandes mentiras. O drama de Paula é ter feito de forma global o que se encena na neurose cotidiana de todos nós.
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