sábado, 14 de março de 2009



15 de março de 2009
N° 15908 - MARTHA MEDEIROS


Do outro lado do balcão

Nessas férias, estava pegando sol na piscina de um hotel quando reparei que uma menina de uns sete anos estava atenta ao garçom que atendia os hóspedes. Quando ele se afastou, uma lampadinha se acendeu sobre a cabeça da pequena: ela tirou de dentro da sua mochila um pedaço de papel e um lápis e perguntou para os pais o que eles gostariam de almoçar.

O pai escolheu um prato, a mãe outro. A menina, muito profissional, foi adiante: E para beber?. Pedidos anotados, ela sumiu por trás de uns arbustos e voltou mais tarde com as refeições imaginárias, orgulhosa do seu serviço.

Lembrei que quando eu tinha a idade dela, eu adorava fingir que era uma secretária. Trancava a porta do quarto e passava a tarde na máquina de escrever, datilografando memorandos, fazendo listas, organizando fichas, enquanto fumava um lápis atrás do outro, neurótica com tanto trabalho. Também sonhei muito em ser aeromoça.

E perdi a conta das vezes em que brinquei de ser balconista. Eu e minhas amigas pegávamos uns produtos na cozinha e criávamos um supermercado no quintal: eu queria ser a moça do caixa, lógico. Passava “as compras” pela esteira, registrava produto por produto, empacotava e entregava pro freguês, sem descuidar de dar o troco certo em moeda de mentirinha.

Será que as crianças de hoje brincam de ser empresárias, industriais, presidentes, enfim, de ser patrões? Creio que poucas. Essa ambição se desenvolve mais tarde, quando começam a ser catequizadas pela importância de ganhar dinheiro, de ter poder, de se instalar no andar de cima da escala hierárquica.

Antes de começar a se deixar influenciar pela ansiedade capitalista e pelo afã de fazer parte de uma elite, o que se quer mesmo é fazer parte da massa, é servir. Criança não é boba: sabe muito bem qual é o lado que se diverte mais.

Sei que há muita garota que sonha em ser modelo, e meninos que sonham em ser jogadores de futebol, visando à celebridade e à fortuna que essas profissões podem oferecer. Já nascem equivocadinhos. Essa menina da piscina me fez lembrar que também há muita criança que, antes de entrar na fissura por “ser alguém”, ainda brinca de ser cabeleireira, de ser frentista, de ser motorista de táxi, profissões que lhes parecem mais alegres. Brincam de médico também, não me esqueci.

Ser empregado é melhor? Nós, que atravessamos a fronteira que separa a infância da maturidade, não temos dúvida de que o melhor é ser dono do próprio nariz e que é preciso estudar bastante para alcançar um patamar de vida que nos ofereça independência.

Mas também sabemos que o poder e o dinheiro nos confinam numa espécie de prisão. Ficamos reféns de certas regras, de certas convenções, de certas necessidades que nem são tão necessárias assim, mas que foram inventadas para não nos permitir voltar atrás e dizer: “Cansei, não quero mais brincar”.

A alegria em servir, mais do que em ser servido, dura pouco, porém mesmo que essa inocência não sobreviva muito tempo, é reconfortante saber que pelo menos na fase inicial da vida acreditamos num mundo mais acolhedor, ainda não intoxicado pela diferença entre os que mandam e os que obedecem.

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