terça-feira, 31 de março de 2009



31 de março de 2009
N° 15924 - LUÍS AUGUSTO FISCHER


Sandra e o centenário

Estava pronto para escrever aqui umas teses sobre o centenário do meu time, o glorioso Sport Club Internacional, quando soube da morte de Sandra Jatahy Pesavento. As coisas se emabaralharam na minha cabeça, porque uma continuidade longa para os padrões de nosso país jovem, como é o caso do centenário, combina pouco com a interrupção, pela morte, da carreira de uma historiadora no auge de sua capacidade intelectual.

Fui aluno da Sandra por três semestres, no curso de História da UFRGS, na virada dos anos 70 para os 80, trinta anos faz. Mais ainda: fui seu monitor de História do Brasil, por dois anos, experiência decisiva na minha vida universitária.

(O contato próximo com um professor relevante pode alterar tudo, na vida de um aprendiz.) E não é exagero dizer que foi com ela que aprendi o principal do ofício, tanto no sentido imediato da administração da aula, quanto no sentido sutil da compreensão das tarefas do historiador.

Suas aulas eram sempre interessantes, creio que para todos os alunos. Debatia-se, lia-se, havia um vigor da atividade mental como deve haver sempre numa situação decente de aprendizagem. Havia por certo o benefício relativo da época: final da ditadura militar, nós alunos com grande vontade de formular mais claramente nossa crítica ao regime e nossas expectativas para o futuro, tudo isso passando pela História, é claro.

E a Sandra era uma interlocutora de grande valia, pelas exposições que fazia, pelas leituras que indicava, pela ótima capacidade de multiplicar os planos em análise – aqui a economia, ali a política, mais adiante a vida social, depois a cultura, na região e no país, etc.

Compartilhamos alguns trabalhos, eu já na carreira de professor de Literatura, minha formação central, ela saindo da história econômica para a área de história da cultura, das mentalidades, do cotidiano, enfim essa região menos árida e mais propícia para quem gosta de sutilezas analíticas, como era seu caso.

Algumas divergências filosóficas e outras de interesses intelectuais nos afastaram da convivência miúda; mas nada disso obscurece seu papel forte na minha vida e na das gerações que ela ajudou a formar.

Salvo alguma exceção notável (é o caso da professora Helga Landgraff Piccolo, mestra da Sandra e de tantos outros), a carreira de historiador no Estado era muito frágil, com pouca pesquisa empírica e muita submissão à ideologia de turno; Sandra Jatahy Pesavento, com destaque em sua geração, contribuiu muito para alterar este quadro, com trabalhos sólidos, atualização mental, rigor e uma saudável inquietude, que agora vai ficar na saudade.

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