domingo, 29 de março de 2009



29 de março de 2009
N° 15922 - ARTIGOS


As meninas estão diferentes

Barraqueira eu digo que eu sou.. Digo para todo mundo!

As palavras acima foram narradas por uma estudante da quinta série do Ensino Fundamental de uma escola pública, localizada na periferia de Porto Alegre. Podemos pensar que tais palavras estão distantes de uma representação naturalizada de infância feminina, pois esses não seriam os termos mais adequados para que uma “mocinha” expressasse suas opiniões ou sentimentos.

Grande parte das pessoas relaciona naturalmente posturas de meninas aos bons modos, ao capricho e à inocência. O ser menina, mesmo nos tempos atuais, ainda está associado ao uso de certas vestimentas, de determinadas cores e do recato ao agir.

É possível pensar que exista uma construção cultural da feminilidade pautada por características como contenção, doçura e passividade. Mas, se meninas são “mocinhas naturalmente comportadas”, como é possível explicar o envolvimento de alunas em conflitos violentos, tão frequentes na contemporaneidade?

Como docente, percebo, na atualidade, posturas diferenciadas por parte de alunas muito jovens. Enxergo nas escolas meninas com seios grandes, aumentados ainda mais pelo uso de tops apertados. Vejo piercings em sobrancelhas, orelhas e umbigos das estudantes.

Muitas vezes é na hora do recreio, no banheiro da escola, que tais adereços são colocados e até mesmo trocados entre as alunas. Já enxerguei meninas com “tatuagens” em antebraços: corações, flechas, as letras iniciais de alguém por quem estivessem apaixonadas. E sei que as tatuagens foram feitas com a lâmina retirada do apontador escolar e fixada em um tubo de caneta esferográfica vazio.

Com surpresa ouço cotidianamente expressões utilizadas por alunas tais como “Homem é que nem lata! Uma chuta, a outra cata!”, ou ainda “Viva a vida loucamente: fique com um guri diariamente”. Fatos e situações semelhantes às que descrevo subsidiam minha afirmação: as meninas estão diferentes!

Penso ser importante enfatizar que, principalmente nas escolas de periferia, professores têm presenciado alunas de 11, 12 anos engalfinharem-se no pátio ou até mesmo nas salas de aula. Muitas meninas chegam a ter o rosto marcado por ferimentos profundos; consequências de conflitos que são desencadeados por um olhar mais demorado, por um comentário maldoso ou, ainda, por uma inocente fofoca.

Em algumas escolas, o uso de presilhas de cabelo do tipo “bico de pato” chegou a ser proibido para as alunas, uma vez que elas as utilizavam para ferir os outros em suas brigas. Meninas chegavam a passar repetidamente tal acessório no piso de cimento ou no meio-fio da rua a fim de conferir-lhe poder de corte.

Através de seus atos de valentia, do envolvimento em conflitos e de falas como “a gente não vai apanhar quieta!” e, também, “barraqueira eu sei que sou!”, tais alunas são percebidas como meninas fortes, que reagem machucando quem as ofende. Muitas vezes, é através do envolvimento em conflitos que meninas conquistam posições de maior ou menor valorização frente aos seus colegas. A menina vencedora de uma briga, aquela que não admite levar “desaforo para casa”, parece ser vista pelo seu grupo de convivência como corajosa e esperta.

Como professora, não defendo tais atos, não aceito que alunos se machuquem ou venham a ferir colegas. Contudo, é preciso pensar que muitos conflitos escolares são atravessados por valores culturais específicos e, ainda, são motivados por situações complexas, as quais não poderiam ser pensadas unicamente como indisciplina.

Acredito que os conflitos entre meninas devam ser analisados/problematizados tanto nas escolas quanto nos cursos de formação docente. Talvez, assim, as escolas possam buscar estratégias diferenciadas de trabalho, de intervenção, para uma melhor compreensão das atitudes de suas mocinhas (mal)comportadas.

Juliana Ribeiro de Vargas - Professora da rede municipal de ensino de Porto Alegre

Nenhum comentário: