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quarta-feira, 18 de março de 2009
18 de março de 2009
N° 15911 - DIANA CORSO
Cadáveres de plástico não morrem jamais
Nós enterramos nossos mortos. A cremação, que é a minha opção, está ganhando adeptos todos os dias. Mas esses não são os únicos destinos possíveis dos cadáveres: os egípcios e os incas mumificavam seus entes queridos, houve povos que os expunham aos animais para serem comidos, e inclusive ainda existe o canibalismo ritual dos mortos.
De qualquer forma, o cadáver sempre foi objeto de reverência, o que fazer com ele nunca foi banal nem dum descarte fácil.
A exposição que está na cidade rompe com toda a tradição, talvez por isso choque algumas pessoas sensíveis, ela é uma das pontas onde se pode ler a dessacralização do corpo dos mortos que estamos vivendo.
O trabalho da mostra Corpo Humano: Real e Fascinante fez uma espécie de empalhação high tech com cadáveres de pessoas que doaram seus restos para tal fim. Isso numa época em que a taxidermia vem sendo substituída por maquetes ou versões digitais, pois criou-se certo pudor em expor os corpos dos animais empalhados.
Não creio que a exposição fizesse sucesso se apresentasse apenas réplicas perfeitas, o valor do ingresso é pago também pela morbidez.
Há um elemento de sinistro que nos move: aquilo foi gente um dia, e hoje, o que é? Não são múmias, pois essas tinham a esperança de voltar. Esses corpos organizam-se como um Atlas médico em três dimensões e não aspiram outra transcendência.
Nas faculdades de medicina os estudantes têm acesso aos cadáveres de indigentes, cujos restos não eram motivo de cerimônia para ninguém, e se transformam em peças anatômicas.
Para os estrangeiros ao estudo da anatomia, a visão das entranhas de que somos feitos não é tarefa fácil. Ver é compreender que, por mais que se cuide dessa máquina complexa que nos constitui, um dia ela parará de pulsar.
A exposição visa a uma reflexão sobre os mecanismos que movem a vida, uma lição de saúde. Um encontro que em vez de sinistro pretende-se racional, mas não deixa de ser uma experiência de contato com a morte.
Dar conselhos de saúde através de cadáveres, parte da certeza de que no fim da história sempre morremos. Apertem os cintos, protejam-se do fim. Esses corpos são nosso memento uomo, a lembrança que somos um pó animado a caminho do pó final.
Não consigo deixar de pensar naquela gente que está lá empalhada. Teriam eles vergonha ou orgulho da cena que se armou com suas carnes? Temos ido menos aos cemitérios, talvez exposições como essa, verdadeiras procissões de curiosos, sejam um renovado lembrete da nossa condição passageira.
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