terça-feira, 17 de março de 2009



17 de março de 2009
N° 15910 - LUÍS AUGUSTO FISCHER


A primeira cavalgada

Sábado último, o folclorista Antônio Augusto Fagundes publicou um texto chamado “A história das cavalgadas”; nele, datou o começo da onda atual de longos estirões a cavalo no ano de 1981, quando “três tradicionalistas” vieram de Bento Gonçalves a Triunfo “para visitar seus amigos do Piquete dos Gaudérios”.

Deve ter escapado à lembrança do articulista uma cavalgada anterior, que foi bem mais extensa e, para alegria dos que como eu gostam do registro escrito, ganhou elaboração literária, e de alto nível.

Me refiro à aventura empreendida por Tau Golin, Pedro Luis Osório e o falecido Luiz Sérgio “Jacaré” Metz, em março de 1980. A jornada partiu de Santa Maria e alcançou Jaguarão, sempre por fora de estradas asfaltadas, e foi feita às custas dos três, então jovens jornalistas e companheiros de militância política de esquerda em Santa Maria.

Não vou me estender sobre a impressionante experiência no sentido de ser, ao que tudo indica, a primeira cavalgada dos tempos modernos, quer dizer, dessas promovidas não por “percisão” mas por “boniteza”, para usar ao contrário um velho ditado caipira sobre o sapo (este “pula não por boniteza mas por percisão”). E não é porque aquela jornada tenha sido carente em episódios significativos que eu deixo de falar, mas sim porque ela foi muito bem registrada por escrito, duas vezes.

Na primeira, em setembro daquele mesmo ano de 1980, um relato da viagem ganhou as destacadas páginas do “Caderno de sábado” do Correio do povo, então o suplemento cultural de maior importância em todo o sul do país; na segunda, bem próximo de nós, no ano de 2006, quando veio a público na forma de um belo livro, que tive a honra de prefaciar, editado pela Arquipélago, de Porto Alegre, com o significativo nome de Terra adentro.

Sei que sou suspeito para elogiar, porque sou amigos dos três atores/autores, mas pode crer o prezado leitor que se trata de um belo livro.

Em parte, o mérito está no registro da cavalgada em si, as dificuldades práticas, as carências de uma aventura que, ao contrário de outras similares que o futuro viria a conhecer, não dispôs de nenhuma infraestrutura de apoio, nem mesmo de cavalos para troca.

Do meu ponto de vista, porém, o melhor do livro é o fundo histórico em que o texto conscientemente se move: aqueles três jovens, antes de começar a jornada vinham pensando no exemplo de Auguste de Saint-Hilaire e outros viajantes, que bem antes, e com muito menos condições, haviam cruzado vastos territórios em busca de conhecimento, aqueles jovens sabiam que se tratava, claro, de outro momento histórico, que interessava averiguar -

estávamos em 1980, começo do fim da ditadura militar, abertura política em curso, com uma marcante presença dos meios de comunicação então chamados “de massa”. Pois bem: os três se propuseram averiguar, na prática, como é que as populações mais afastadas das cidades estavam vivendo a nova realidade, moldada especialmente pela televisão. Foram e viram que de fato restava pouco do mundo anterior à telinha.

Não foi por acaso que Guilhermino César, o maior crítico literário então, registrou com grandes elogios o feito daqueles três neocavaleiros, declarando-se com inveja da experiência. Qualquer um de nós poderá avaliar o caso, lendo o belo livro que resultou dela.

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