quinta-feira, 26 de março de 2009



ENTRE NOSSOS MUROS

Uma professora, recentemente, em Caxias, colocou fita adesiva na boca de um guri de 5 anos. Uma adolescente, há dois dias, em Porto Alegre, agrediu a professora, que foi parar no Hospital de Pronto Socorro.

O mundo escolar já não é tão cândido quanto antigamente quando só o professor tinha o privilégio de castigar com palmatória, joelho no grão de milho ou humilhação atrás da porta.

Eu mesmo cheguei a ser mandado para trás da porta da sala de aula. Foi a minha primeira polêmica. Saí gritando que não ficava, não aceitava e atravessei Palomas correndo e chorando. No dia seguinte, no meio do Hino Nacional, mandei todo mundo calar a boca.

Foi minha primeira greve. Meu destino estava selado. No meu primeiro Sete de Setembro escolar, ficou patente que eu nunca marcharia de passo certo. Um fracasso absoluto. Uma vergonha para o colégio. Pensei em tudo isso digerindo o filme francês, ganhador do Festival de Cinema de Cannes em 2008, 'Entre os Muros da Escola', de Laurent Cantet.

Meu amigo Lucien Sfez me disse por e-mail que não viu esse filme por 'preconceito'. Acha, pela leitura das críticas, que há banalidade, erros e demagogia. Eu gostei. Trata da dura relação entre professores e alunos numa escola multicultural da periferia de Paris.

Na verdade, focaliza o confronto (ou diálogo) entre um professor de Francês e os seus alunos africanos, antilhanos, árabes e até um chinês inteligente, mas admirado, acima de tudo, pela sua disciplina.

Sente-se a cada minuto a força de uma cultura do conflito. O professor é irônico e não perde uma só oportunidade de ridicularizar os estudantes. Mas é muito honesto no seu desejo de acertar e de motivar os jovens para a aprendizagem. Os alunos são agressivos, desmotivados ou deslocados. É problema de todo lado. O clima é pesado.

Imagino que o diretor tenha querido mostrar o fosso que separa os ideais da escola republicana da realidade de uma nação formada por gente de origens variadas e com sérios problemas de integração.

Como mobilizar estudantes imersos nas suas desesperanças? Como se manter apaixonado por uma profissão que em certos dias remete a uma temporada num campo de guerra?

O que mais me chamou a atenção foi a quase inconsciente crueza verbal do professor e dos alunos, cada um espreitando o erro para fazer uma piada, marcar um tento, soltar um grão de sarcasmo, alimentar um jogo sem fim. Por outro lado, como sobreviver numa sala de aula em que um aluno pergunta: 'Professor, é verdade, como dizem, que o senhor prefere homens?'.

Uma bela lição de vida para tecnocratas que só falam em eficácia, rendimento, resultados, produtividade e desempenho. Imperdível para quem divide, com uma sofisticação jamais vista, o mundo da educação em patrão e empregados. Como se costuma dizer, os bárbaros já estão do lado de dentro dos nossos muros. Somos nós mesmos.

Filme bom não aparece todo dia. Nem todo ano. É como livro. Os resenhistas vivem banalizando o termo 'genial'. 'Entre os muros da escola' não é genial. Não passa de excelente.

Está ótimo. Assim como 'O Banheiro do Papa', outro excelente filme que vi nos últimos tempos, esbanja autenticidade.

É terrivelmente verdadeiro. Enfim, um desses filmes duros, sujos, tortos, sem charme nem espetacularização capazes de fazer ganhar o Oscar. Um ótimo filme para ser visto antes ou depois de um Conselho de Classe ou durante uma reunião de pais e mestres.

juremir@correiodopovo.com.br

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