sábado, 21 de março de 2009



21 de março de 2009
N° 15914 - CLÁUDIA LAITANO


O fator humano

Faço parte de uma das últimas gerações a levar totalmente a sério a figura do herói.

Teorias menos personalistas da História, popularizadas a partir da segunda metade do século 20, têm nos ensinado a desconfiar da ideia do homem que muda o rumo dos acontecimentos sozinho.

(Já nenhuma façanha serve de modelo a toda a Terra – se é que um dia serviu.) Até mesmo os super-heróis dos quadrinhos andam perdendo o rebolado. Cada vez mais angustiados, sombrios, imperfeitos – ou seja, humanos –, parecem invariavelmente desconfortáveis com a tarefa de proteger o universo 24 horas por dia.

Se os heróis épicos estão em extinção, e as lideranças políticas e econômicas inspiram tanta esperança quanto o Super-Homem em uma gaiola de criptonita, confiar no homem comum é o que nos resta. Pessoas que, contrariando o senso comum e às vezes até o bom senso, conseguem deixar uma marca – no país, na cidade, no bairro, no edifício – são cada vez mais necessárias.

Dependemos desses exemplos para continuar acreditando que existe, sim, alguma espécie de transcendência possível na vida cotidiana – em cada gesto ou palavra que ultrapassa os nossos interesses imediatos e alcança as vidas de outras pessoas.

A possibilidade de que um único indivíduo possa afetar significativamente o seu entorno é ao mesmo tempo confortante e desafiadora. Se por um lado coloca em perspectiva nossa insignificância e transitoriedade, por outro nos obriga a encararmos o fato de que é possível, sim, até para o menos heroico dos temperamentos, fazer diferença – o que empurra para o reino da preguiça a maioria das desculpas que a gente dá para não fazer isso ou aquilo porque somos só um ou somos muito poucos.

Um clássico do cinema americano, a fábula A Felicidade Não se Compra (1946), de Frank Capra, brinca um pouco com essa ideia.

Um sujeito, a ponto de se matar na véspera de Natal, recebe de um candidato a anjo a chance de ver como seria o mundo se ele jamais tivesse existido. O que ele acaba percebendo (e é impossível assistir ao filme sem fazer um exercício de fantasia parecido) é que pequenos e grandes gestos seus tiveram um enorme impacto na vida da pequena cidade em que ele morava – muito mais do que ele poderia imaginar, o suficiente para dar sentido a uma vida.

Na próxima sexta-feira, dia 27, vai ser inaugurada a primeira parte de uma obra grandiosa para a vida cultural de Porto Alegre e do Rio Grande do Sul. O Multipalco do Theatro São Pedro é fruto de vários grandes gestos – alguns para entrar para a História, outros mais discretos.

O empenho de Eva Sopher para levar adiante um projeto maior do que a cidade nunca será suficientemente reconhecido – mas enquanto o teatro estiver em pé seu nome será lembrado e reverenciado. Empresas que estão financiando a obra, como a Vonpar, que entrega agora a concha acústica e um espaço ao ar livre, também deixarão sua marca associada ao empreendimento.

Mas muitas pessoas que não vão ganhar placa de bronze nem sala com seu nome estão ajudando a construir o Multipalco. Gente como Dona Guilhermina, uma aposentada de 72 anos que contribui todos os meses para a construção do anexo simplesmente porque gosta de teatro e de música e acredita na diferença que a cultura faz na vida das pessoas:

“Com a arte, a gente aprende. Vou ao teatro, por exemplo, vejo alguma coisa e penso: ‘Olha, eu nem sabia disso’. Sou uma eterna aprendiz.

Todo dia estou aprendendo alguma coisa”, contou ela para a jornalista Fernanda Zaffari em uma entrevista.

Dona Guilhermina talvez nem desconfie, mas a gente também aprendeu com ela.

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