sexta-feira, 13 de março de 2009



13 de março de 2009
N° 15906 - JOSÉ PEDRO GOULART


Gibis conceituados

O gibi sempre teve uma importância relativa para mim; tenho amigos, porém, como o Mauro Dorfman, que se pudessem morariam dentro de uma história em quadrinhos. Mas para mim gibi sempre foi só gibi, não havia nada de mais. Quando guri, trocava sem culpa os que eu tinha no intervalo da matinê de domingo.

Não eram objetos de coleção. Guardo os que sobraram numa gaveta, embaixo dos meus antigos boletins do colégio. E estão em baixo como forma de punição pelos danos causados às notas nos companheiros de cima.

Depois de um tempo, o gibi virou “quadrinho”, ou HQ. Coisa séria. Lembro do impacto que tive ao ler Watchmen nos anos 80, uma trama intrincada, profunda; uma quebra nos paradigmas do gênero ao narrar o colapso dos super-heróis.

Um pouco antes, o Batman deixava a ingenuidade no passado e ressurgia soturno, sorumbático, em O Cavaleiro das Trevas. O quadrinho adulto, aliás, carrega na melancolia – um paradoxo ao veículo, às cores e traços extravagantes que muitos utilizam.

Especulo se essa melancolia não é própria da liberdade dos quadrinhos, afinal eles foram gibis um dia. E liberdade, sabemos, sempre acaba em pensamentos existenciais.

E pensamentos existenciais em angústia e assim por diante até chegarmos no Crumb, um supermelancólico. Ele tem uma historieta em que a primeira pergunta é a seguinte: “Você é capaz de ficar sozinho e encarar o UNIVERSO?”. A pergunta é banal. Mas o primeiro desenho mostra um sujeito de costas, despido, sozinho, inerte, diante do... universo. As respostas que se sucedem – no desenho caricatural, e nas palavras cortantes do Crumb – são de “fundir a mente”.

Mas o espectro da contracultura a la Crumb, ou a monocultura dos super-heróis, não resumem todo o enredo dos quadrinhos atuais. Dois exemplos? Fun Home, autointitulada como uma tragicomédia familiar. As cores sumiram, como se fosse para suavizar, tornar imperceptível, a fronteira entre do quadrinho e a literatura.

Outro: Frango com Ameixas, da Marjane Satrapi, conhecida por Persépolis (obrigado, Mauro). Os quadrinhos da Marjane são familiares aos da Alison Bechdel (autora do Fun Home) nos quesitos sensibilidade, forma de narrar, desenhos simplificados e... melancolia.

O fato é que os velhos gibis ganharam prestígio. É inegável. As edições cada vez mais caprichadas pularam do porão para a vitrina. Mas, afinal, por que um formato desses, anacrônico, com desenhos imóveis e balõezinhos lúdicos, faz sucesso nesse mundo supertecnológico? Talvez porque, apesar da multiplicidade das emissões digitais, o ser humano continue analógico.

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