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sábado, 14 de março de 2009
14 de março de 2009 | N° 15907
NILSON SOUZA
Somos nós!
Fui ver a mostra sobre o corpo humano no BarraShoppingSul. É uma impressionante aula prática de anatomia, mas pode ser muito mais do que isso, se observarmos também as pessoas que perambulam silenciosas e espantadas entre os 16 cadáveres completos e as dezenas de órgãos humanos expostos aos olhos do público.
Meu colega de ofício, o fotógrafo Ricardo Chaves, capturou com extrema sensibilidade a parecença entre vivos e mortos, como os leitores de Zero Hora puderam constatar no mosaico de rostos publicado na página central deste caderno, na última segunda-feira. As fotos retratam de forma emblemática a simbiose entre visitantes e visitados.
Pude constatar isso no escurinho da exposição: às vezes, fica difícil de se perceber quem está observando quem.
Pelo que li, são de origem chinesa aquelas criaturas insepultas, condenadas pela ciência a exibir suas entranhas ao redor do mundo. Mas mortos não têm nacionalidade, ainda mais quando se apresentam pelo avesso, onde somos mesmo todos iguais.
Nossos ossos, nosso sangue, nossos tendões e nossas artérias, assim como nossos corações e nossos cérebros, são feitos da mesma matéria, tenhamos nascido no Primeiro ou no Quarto Mundo, cobertos por pele clara ou escura, contemplados com olhos azuis ou castanhos. É olhando para aquele pequeno exército de franquensteins plastificados que se percebe o quanto é ridículo o nosso orgulho nacionalista.
Olho também para a fila de visitantes e me convenço de que a maioria não está lá por conta da chamada curiosidade mórbida, aquele sentimento inexplicável de atração por tragédias e velórios. Não!
A maioria de nós está lá para se ver no enigmático espelho biológico da existência, para vislumbrar o próprio interior. Aquele pulmão escuro do pobre fumante – penso eu – poderia ser o meu se não tivesse rejeitado o primeiro cigarro da minha adolescência.
Aquele tendão do joelho de um dos corpos expostos é o mesmo que rompi numa jornada infeliz do futebolzinho de fim de semana. Como o sujeito que exibe uma já inútil prótese de metal, também carrego uma articulação reconstituída, com a diferença de que ainda a movimento, inclusive e teimosamente no futebolzinho do fim de semana.
Quanta semelhança! Somos nós, sem dúvida. Duvido que alguém chegue ao final da exposição sem se identificar com pelo menos alguma parte de um daqueles corpos fatiados, recortados e remontados. E também não duvido que, quando as luzes do shopping se apagam, eles fiquem comentando sobre os visitantes, na linguagem silenciosa do outro mundo.
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