quinta-feira, 26 de março de 2009



26 de março de 2009
N° 15919 - LUIS FERNANDO VERISSIMO


Faíscas

Num livro chamado Maomé e Carlomagno, publicado em 1939, o historiador belga Henri Pirenne dizia que as primeiras conquistas do mundo árabe/islâmico, a partir do sétimo século, tinham acabado com a unidade da civilização mediterrânea dominada pela Roma Cristã e propiciado a ascensão dos nórdicos, dos germanos e da França carolíngia – ou seja, dos ex-bárbaros.

As cruzadas para a liberação da Terra Santa do domínio árabe não foram mais do que manobras na guerra pela hegemonia num pretendido Estado imperial europeu entre papas, príncipes e reis, e tiveram mais efeito na história da Europa do que sobre os árabes.

E a expulsão dos árabes da Península Ibérica foi por uma igreja mobilizada e mobilizadora que depois não parou mais: a reconquista da Espanha foi o preâmbulo da conquista da América.

Portanto, a atual intervenção explosiva dos islâmicos na nossa história faz parte de uma constante, a dos árabes como catalisadores dos destinos do Ocidente.

O “choque de civilizações” do Samuel Huntington não seria uma metáfora apropriada para a atual relação entre o Islã e o que o Immanuel Wallerstein chama de “pan-Europa”, ou o Ocidente. Mais certo seria falar num continuado atrito de civilizações do qual vez por outra salta uma faísca detonadora. Deveríamos o nosso mundo e seus sobressaltos a estas faíscas.

Metafísica difusa

Quem primeiro usou a palavra “ideologia” no seu sentido moderno foi Napoleão Bonaparte. Referia-se aos críticos do seu despotismo e defensores da democracia e chamou a ideologia de “metafísica difusa” que procurava fundamentar o governo em causas abstratas em vez de adaptá-las “a um conhecimento do coração humano e das lições da História”. A ela, segundo Napoleão, se deviam “todos os infortúnios da França”.

Desde então, os liberais acusam os ideólogos da esquerda de desconhecerem a realidade dos desejos humanos e defenderem causas abstratas. Mas hoje, com a Crise, a esquerda tem todo o direito de adotar o julgamento de Napoleão e chamar os liberais de metafísicos difusos, ao desprezarem os fatos que desmentem sua ideologia.

Com o liberalismo neoclássico sendo desmoralizado a cada nova má notícia da economia mundial, a persistência da sua ideologia só pode ser atribuída a uma impermeabilidade dogmática maior do que jamais foi atribuída à esquerda.

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