quarta-feira, 18 de março de 2009



18 de março de 2009
N° 15911 - DAVID COIMBRA


A entrevista de prêmio da Gaúcha

Sentamos para o café da manhã, eu e meu filhinho Bernardo. Eu à mesa, a xícara de café preto fumegando à minha frente, a fatia de pão com manteiga descansando no pires, a Zero do dia dobrada sobre a coxa.

Ele ao lado, aboletado na cadeira de nenê, o bico ainda no canto da boca feito o cigarro do Humphrey Bogart, o paninho preferido (aquele que tem um cachorro na ponta) firme na mão. Botei o prato do Mickey na frente dele e esperei que escolhesse. É uma coisa:

– Bolachinha, bolachinha...Ou outra:

– Bolinho, bolinho...Com ano e meio, meu pocolino descobriu o poder do diminutivo. Ninguém resiste a um nenê pedindo algo no diminutivo, tipo ele no chão, à altura dos meus joelhos, com os bracinhos estendidos, repetindo:

– Colinho, papai! Colinho, papai!

Vou dizer: nenhum apelo de nenhuma mulher em nenhuma situação da minha vida me comoveu mais do que esse.

Mas o café da manhã de ontem, era disso que falava. O Bernardo pediu bolinho. Parti o bolo de cenoura em pequenos cubos, distribuí-os no prato do Mickey e liguei o radinho de pilha na Gaúcha. A Rosane Oliveira e o André Machado entrevistavam o prefeito Fogaça.

Pensei que Fogaça ainda não recebeu os devidos elogios pela solução do problema dos ambulantes no Centro. Faço-os agora: parabéns ao prefeito, essa provavelmente será a medida mais importante da sua administração.

Só que ontem Fogaça não falava dos ambulantes. Falava do projeto do Pontal do Estaleiro. Que entrevista! Mudou meu dia, por Deus. A entrevista fez esfriar o café, tornou rançosa a manteiga do pão e empedrou o bolinho do Bernardo. Peço de antemão que a Gaúcha inscreva a entrevista no Prêmio ARI, e que a ARI já deixe um prêmio reservado para a entrevista.

Explico por quê.

O projeto do Pontal foi remetido da Câmara de Vereadores à prefeitura. O prefeito vetou-o, modificou-o e o enviou de volta. Quer dizer: o projeto, agora, é do Executivo. Uma das mudanças que fez é a seguinte: propôs que daqui a 120 dias, no máximo, a população decida em plebiscito se o projeto deve ser implantado ou não.

A emenda é que me intrigou. Pelo seguinte: o que significa o plebiscito? Que o prefeito não tem certeza se seu projeto é bom? Neste caso, por que o enviou à Câmara? Não teria de aperfeiçoá-lo? Ou talvez nem mandá-lo? Mas e se for o contrário? E se o prefeito tiver certeza plena da importância do seu projeto?

Por que não aprová-lo simplesmente? Afinal, trata-se de uma questão técnica, não moral. O que está em jogo é a altura dos prédios que serão construídos, sua destinação, a distância entre um e outro, dilemas deste jaez.

Que podem ser revolvidos com consultas a arquitetos, engenheiros e ambientalistas. Eu aqui, que até conheço razoavelmente o projeto, não me considero apto a decidir a respeito. Preferia que um prefeito fizesse isso por mim.

Mas, tudo bem, o prefeito quis transferir a responsabilidade para a população. Certo. Vamos ao voto. Já estava me conformando com a incumbência. Só que, ao cabo da entrevista, a Rosane perguntou ao prefeito qual era a posição dele acerca do projeto. Isto é: acerca do seu próprio projeto. E foi a resposta de Fogaça que congelou meu café e transformou em nacos de paralelepípedo o bolinho do Bernardo. O prefeito respondeu que... não ia responder! Não opinou sobre sua própria opinião!!!

Fogaça lembrou-me aquele ator alto, forte e espadaúdo que, ao ser indagado por um repórter de revista se era ou não gay, fez beicinho e miou:

– Não vou dizer!

É um tempo de vacilos, esse em que vivemos. O prefeito não sabe se suas ideias devem ser implantadas ou não e o Grêmio não sabe se disputa o Gauchão para valer ou não. Ambos sentem medo. O técnico do Grêmio tem medo do Inter, o prefeito da cidade tem medo da crítica.

Não sabem que um e outra são inevitáveis. O Inter acabará cruzando o caminho do Grêmio, a crítica acabará desabando na mesa de trabalho do prefeito. Já que elas virão mesmo, não seria melhor enfrentá-las com atitudes firmes e ideias claras? A resposta é sim. Claro que sim. Não existe nada pior, para quem decide, do que a indecisão.

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