segunda-feira, 23 de março de 2009


FERNANDO DE BARROS E SILVA

Kafka em Sucupira

SÃO PAULO - Alguém deve ter reclamado a ausência da Diretoria de Pequenas Causas (Próprias). Odorico Paraguaçu já teria criado a Subsecretaria da Jenipapança. O Senado, de resto, nada deve a Sucupira.

Pelo contrário: é a alegoria cômica do país tacanho, corrupto e atrasado que não dá conta dos excessos da realidade, não obstante a atualidade da obra de Dias Gomes quase 40 anos depois da sua consagração.

A crise que toma o Congresso já não é moral, mas de metáforas. Parece até que acordamos de repente de um sonho estranho com 181 diretores no Senado.

Para contornar o pesadelo, Heráclito, o Fortes, anuncia com pompa o corte de 50 cargos. São, agora, só 131 diretores, em nome da moralidade pública. Mas por que não 147 ou 93? 111 ou 77? Seria mais "transparente" criar as Diretorias das Explicações Surreais de curto, médio e longo prazos -184, e não se fala mais nisso!

Tudo nessa história soa absurdo e arbitrário. Está evidente que tanto a cultura arraigada do compadrio e dos favores quanto a pantomima moralizante que deveria combatê-la obedecem a uma mesma lógica, de preservação dos interesses de uma burocracia que funciona para alimentar a si mesma.

A total desconexão dessa política com a sociedade diz muito da distância entre o projeto original de Brasília e o que ela representa hoje -do abismo entre o que a capital quis ser e o que se tornou.

O problema, claro, não é estético, mas a aposta de Niemeyer, no caso do Congresso, foi sendo devorada pela profusão de anexos, de salinhas obscuras, de corredores acarpetados e paredes aveludadas. O cortiço cafona que funciona sob o esqueleto da utopia moderna parece selar um destino histórico.

Neste mundo fechado de privilégios autoconcedidos, a mansão de Agaciel é o sonho de consumo do barnabé abnegado. E o castelo do deputado Edmar Moreira -um conto de fadas kitsch- talvez seja a melhor metáfora da vida como ela é hoje em Sucupira, a capital do país.

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