terça-feira, 24 de março de 2009



24 de março de 2009
N° 15917 - CLÁUDIO MORENO


Um que fala e um que ouve

Os antigos garantem que um conselho firme e sincero de um amigo, de um filósofo ou de um oráculo pode ser decisivo nos momentos mais difíceis. Alguém que nos diga a coisa certa na hora certa pode nos devolver a calma e a confiança que estamos a ponto de perder, ou evitar o pequeno deslize que nos levaria ao desastre.

Uns poucos, por conta própria, conseguem fazer os dois papéis ao mesmo tempo, conselheiro e aconselhado, mas esses são muito raros e dignos de admiração.

Pois vejam Ulisses: quando ele voltou para casa, vinte anos depois de ter partido para a guerra de Troia, um perigo ainda maior o esperava dentro de seu próprio palácio: tomando-o por morto, dezenas de chefes guerreiros se apresentaram para disputar o seu lugar no trono de Ítaca e no leito de Penélope.

Aqui começa a segunda parte da Odisseia: praticamente sozinho, contando apenas com a ajuda de Telêmaco, seu filho, e de mais alguns servidores leais, ele precisa travar uma batalha sangrenta para se livrar deste pequeno exército invasor. Sua única vantagem é a surpresa, e Atena, sua deusa protetora, transforma-o temporariamente num velho e alquebrado mendigo, a fim de que ele possa se aproximar do palácio sem ser reconhecido.

Ali o desmando é geral. Ignorando as sagradas leis da hospitalidade, todos maltratam o recém-chegado. Os criados tentam enxotá-lo e os pretendentes o insultam, atingindo-o com ossos e com restos de comida.

Eles humilham e ameaçam Telêmaco, que tenta defendê-lo, mas o jovem os convence a deixar que o velho durma no palácio. Nunca em sua vida Ulisses lutou tanto para controlar sua ira, mas sabe que o menor gesto pode traí-lo e acarretar sua morte e a de seu filho.

À noite, deitado em velhos pelegos que estenderam no vestíbulo, ouve o riso debochado das criadas de Penélope que vão dormir com os pretendentes, seus verdadeiros senhores.

Por um segundo, o sangue sobe-lhe à cabeça e pensa em matar todas elas, o que poria tudo a perder. Atena não está ali para acalmá-lo, mas ele consegue dar ouvidos a sua voz interior: “Aguenta, amigo. Já passaste por coisa muito pior do que essa”.

Ele se controla e aguarda o dia seguinte, quando então, no momento certo, seu plano acaba lhe trazendo a vitória.

Esta voz de si para si mesmo é a marca dos destemidos. Que o diga Turenne, o grande marechal de Luís 14: apesar de ser veterano de muitas guerras, sempre sentia medo no início de cada batalha.

De longe, seus homens ouviam-no gritar, enquanto mergulhava no aceso do combate: “Tu tremes, carcaça? Pois tremerias ainda mais, se soubesses para onde estou te levando!”. Confesso que eu morro de inveja.

Nenhum comentário: