segunda-feira, 2 de março de 2009



02 de março de 2009
N° 15895 - LIBERATO VIEIRA DA CUNHA


O Sabiá da Crônica

Acabo de desembarcar, encantado, de um volume de 610 páginas – Rubem Braga, um Cigano Fazendeiro do Ar –, a melhor das biografias do Sabiá da Crônica, escrita por Marco Antonio de Carvalho, recém falecido.

Se nos deixou, o autor nos legou um completo, cuidadoso estudo de um personagem fascinante, profundamente humano, retratado em sua grandeza e em suas fraquezas, o homem que foi um dos principais escritores brasileiros do século 20.

Não pretendo resumir sua obra, o que seria tarefa impossível, tamanhos são seus méritos e ricos seus detalhes. Mas talvez pudesse dar ideia dela reproduzindo aqui um breve trecho de uma das crônicas de Braga.

“Houve um tempo em que sonhei coisas – não foi ser eleito senador federal nem nada, eram coisas humildes e vagabundas que entretanto não fiz, nem com certeza farei.

Era, por exemplo, arrumar um barco de uns 15, 20 metros de comprido, com motor e vela, e sair tocando devagar por toda a costa do Brasil, parando para pescar, vendendo banana ou comprando fumo de rolo, não sei, me demorando em todo portinho simpático – Barra de São João, Piúma, Regência, Conceição da Barra, Serinhaém, Turiaçu, Curuçá, Ubatuba, Garopaba – ir indo ao léu vendo as coisas, conversando com as pessoas –

e fazer um livro tão simples, tão bom, que até fosse melhor não fazer livro nenhum, apenas ir vivendo devagar a vida lenta dos mares do Brasil, tomando a cachacinha de cada lugar, sem pressa e com respeito. Isso devia ser bom, talvez eu me tornasse conhecido como um homem direito.”

Ao invés desse sonho, Rubem Braga tornou-se conhecido como o escritor que deu à crônica certidão de literatura de primeira grandeza. Eterno apaixonado – ficou célebre seu romance com Tônia Carrero – disse em carta a Moacyr Werneck de Castro: “Que variedade nas mulheres, que inacreditável variedade, que mil maneiras de beleza. Acho mulher uma coisa espantosa, inenarrável. São lindíssimas.”

Enamorou-se umas 350 vezes, o que é bom. Teve grandes amigos, dentre eles Carlos e Olga Reverbel – em Porto Alegre e em Paris.

Conheci-o em Canela, num daqueles inesquecíveis festivais do Prêmio Habitasul. Tratou-me com amizade, com uma cordialidade que senti autêntica.

– Amigo Liberato – me disse. – Ama as letras e as mulheres, mais ou menos nessa ordem.

Desde então, venho tentando seguir seu conselho.

Ótima segunda-feira e uma excelente semana

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