quinta-feira, 6 de março de 2008



06 de março de 2008
N° 15532 - Luis Fernando Verissimo


Faltam estadistas

A Colômbia não tem só mais soldados e armas do que a Venezuela e o Equador juntos, como mostram os gráficos que os jornais têm publicado sobre essa possível meleca na região. Tem mais prática em guerra e violência do que todo o resto da América do Sul.

Lá, liberais e conservadores já foram para o pau, em guerras civis, mais de uma vez. O clima de confronto permanente e a rotina da violência antecedem as lutas contra o narcotráfico e entre as Farc e militares e paramilitares.

Vêm do século 19, fazem parte do cotidiano e das tradições políticas dos colombianos - que, no entanto, dizem todos, vivem num país raro também por suas outras tradições, como a de uma elite cultural importante e a da rara criatividade dos seus artistas, e não é preciso nem lembrar García Márquez, Botero - ou Fredy Rincón.

Meu pai trabalhou na Organização dos Estados Americanos, onde conheceu Alberto Lleras Camargo, que já tinha sido presidente da Colômbia e era então secretário-geral da OEA. Um cargo no qual não parecia estar muito confortável, com a sua terra dominada por uma ditadura militar que perseguia liberais como ele.

Em 1957, de volta à Colômbia, Lleras Camargo liderou o movimento que derrubou o ditador Gustavo Rojas Pinilla e depois o governo de coalizão liberal-conservador - inédito na história do país - que o substituiu, e que conseguiu ficar no poder por 12 anos relativamente pacíficos.

Nas suas memórias, meu pai o descreveu como "um homem lúcido, inteligente e bravo", cujo "comportamento ulterior revelou sua fibra física e moral", e como "o único político latino-americano, entre todos os que encontrei, que possuía realmente qualidades de estadista".

Não me lembro de jamais ter visto a figura de Lleras Camargo, mas a admiração do meu pai de certa forma o transformou num parâmetro para a minha imaginação juvenil. Anos depois, era ao seu exemplo que eu recorria para tentar entender o paradoxo colombiano.

Ele era a imagem do melhor que a aristocracia latino-americana poderia produzir, e ao mesmo tempo um produto daquela sociedade em eterno conflito, daquele tiroteio interminável. Liberais e conservadores se enfrentam em todo o continente, mas é na Colômbia que está a linha de choque.

Lleras Camargo morreu em 1990, me informa o Google. Não sei se o paradoxo colombiano produziu outros como ele.

Sem dúvida, o que falta à região, e à situação criada com a invasão colombiana, a indignação do Equador e as bravatas do Chávez, é um estadista. Mas desconfio que não fazem mais lleras camargos como antigamente.

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