sábado, 7 de agosto de 2021


07 DE AGOSTO DE 2021
DAVID COIMBRA

Uma confissão perigosa

Eu confesso: gosto do Phil Collins. Gosto, podem me criticar, podem tecer sarcasmos no Twitter. Não me importo.

Você tem de ser verdadeiro. Não tem de ligar para a opinião dos outros. Quer saber outra? Odeio fondue. Talvez me torne persona non grata em Gramado por revelar isso, mas odeio. Onde já se viu? Você pega um pedaço de carne, mergulha em queijo derretido e acha o máximo. Ora, se você quiser filé com queijo, peça um à parmegiana! O Tartare serve o melhor parmegiana da cidade.

Mas o pior é o fondue de chocolate. Os caras afogam pedaços de banana no chocolate derretido e comem aquilo. Sério, por Deus.

E quem é que inventou que fondue é romântico? Cristo! Você sai todo enfumaçado do jantar, como é que pode haver romance depois disso?

Enfim.

Mas não quero ficar mal com o pessoal de Gramado, até porque adoro aquela região. Não faz muito, inclusive, passei dois dias aprazíveis em Canela. Estava ótimo. Uma tarde, por insistência do meu filho, fomos ao Sky Glass. Você sabe o que é o Sky Glass? É uma plataforma de vidro que eles construíram sobre um precipício. Você caminha no vidro, olha para baixo e vê que o solo está a 360 metros de distância. É assustador, mas bem bonito.

Fui na coisa, tudo bem, fui me segurando no corrimão. Mas chegou um momento em que, instigado pelo meu filho, tive de sair do meu canto e andar sobre o vidro sem ter nada para me apoiar ou segurar. Não era minha ideia fazer aquilo, mas um pai não pode decepcionar seu filho, sobretudo em questões de bravura. Quando estava no meio do troço, pisando em vidro fino, com o abismo se abrindo aos meus pés, pensei: "Que é que estou fazendo aqui?" Mas fui em frente, tentando demonstrar valentia. Ao alcançar a parte em que o chão é de ferro, meu filho perguntou:

- Sentiu medo?

- Nenhunzinho.

Se você é destemido, vá, que é um belo passeio.

Mas estava falando do Phil Collins. Outro dia, tocou no rádio uma antiga música do Phil Collins, do tempo em que ele era do Genesis. Gostava do nome dessa banda. Volta e meia, quando ouvia algum som dela, pensava:

"No princípio, Deus criou o céu e a terra. A terra estava deserta e vazia, as trevas cobriam o abismo e o Espírito de Deus pairava sobre as águas".

Que imagem poderosa essa, do Espírito de Deus pairando sobre as águas! Um dia escrevo sobre isso. Por ora, voltemos à banda Genesis. A música a qual me referi era Follow You, Follow Me, que tocava muito nas reuniões dançantes dos anos 70. Estava com meu filho Bernardo e disse para ele:

- Eu dançava essa música nas reuniões dançantes! Eu era o cara das reuniões dançantes! O campeão da música lenta!

Ele me olhou sem dizer nada.

Aquela música me fez sentir certa nostalgia. A música tem esse poder. Ela se comunica diretamente com a alma, sem intermediários. Lembrei de uma vez em que, durante uma cobertura internacional, num país da Europa, encontrei um colega mais velho e ele me pareceu abatido. Ele me pareceu realmente abatido. Como tínhamos algumas horas de folga, convidei-o para almoçar em um pequeno restaurante que havia ali perto, a fim de animá-lo. Sentamo-nos a uma mesa diante da janela e ele ficou espiando o vazio lá fora. Então, uma música se derramou do sistema de som. Ele olhou para cima, para o lugar de onde vinha o som, e murmurou:

- Essa música tocava quando eu tinha 16 anos...

E começou a chorar.

Fiquei perplexo, não sabia o que dizer para consolá-lo. Percebi que o passado tomara conta do peito dele, e o passado, quando volta, é perigoso.

Pois ao ouvir a música do Genesis, o passado veio a mim e me fez suspirar e eu também espiei o vazio e disse para mim mesmo:

- Agora sei o que sentiu o meu velho colega...

Meu filho franziu a testa e perguntou:

- O que foi, papai? Não entendi.

- Nada - respondi, sorrindo. - Já passou.

DAVID COIMBRA

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