09 DE AGOSTO DE 2021
DAVID COIMBRA
A professora americana braba
Eu tinha uma professora de inglês, lá em Boston, que se chamava Ronna. Nome bem americano, esse. Com alguns alunos, Ronna era braba, um cachorro; com outros, um doce, um sugar, uma apple pie. A famosa arquiteta e instagrammer Cristina Camps, por exemplo, era conhecida como a queridinha da professora. Uma vez, Ronna até levou um donut para ela. Eu sentia um pouco de medo da professora. Assim, não me manifestava muito nas aulas.
Mas, um dia, sentindo-me especialmente valente, decidi provocá-la. Perguntei por que os americanos chamavam seu país de "América" e eles próprios de "americanos", se a América era muito maior, ia dos campos do Uruguai às geleiras do Canadá, e todos nós, de uruguaios a canadenses, passando por brasileiros e equatorianos, éramos americanos.
Ronna inspirou o ar profundamente, o que era um sinal. Estremeci. Ela olhou para mim e perguntou qual era o nome oficial do Brasil. Respondi:
- República Federativa do Brasil.
Em seguida, apontou para um espanhol:
- E da Espanha?
- Reino de Espanha.
E para uma japonesa:
- E do Japão?
- Estado do Japão.
- Então - concluiu ela - pela lógica, se a América tem de ser chamada de Estados Unidos, o Brasil tem de ser chamado de República Federativa, a Espanha tem de ser chamada de Reino, e o Japão, de Estado. E, se os americanos são estadunidenses, os brasileiros são republicanos federativos, os espanhóis são reinistas, e os japoneses, estadanos.
Fiquei perplexo com a resposta. Aquilo nunca havia me ocorrido. Mas a verdade é que a tradição e o uso mudam palavras, nomes e intenções. Lula, Pelé e Potter são maiores do que Luiz Inácio, Edson Arantes e Luciano Lopes. O Grêmio não era para se chamar Grêmio. Um grêmio é uma agremiação, um clube. O Grêmio era para se chamar Porto-Alegrense. Mas Grêmio ficou ótimo, é uma distinção, só o Grêmio se chama Grêmio.
Quando o centroavante Alexandre Pato surgiu, o então presidente do Inter, Fernando Carvalho, liderou uma campanha para que o chamassem de "Pato Alexandre", uma coisa meio argentina, meio bravia, menos jocosa do que o brasileiríssimo "Alexandre Pato". Falei para o Fernando:
- Não vai dar certo. Isso não vai funcionar no Brasil.
Não deu outra. Tanto que o Pato, hoje, não é nem mais Alexandre, é só Pato.
Mas nós, brasileiros, estamos perdendo a graça dos apelidos. Jogadores de futebol, por exemplo, agora são chamados por nome e sobrenome. Uma vitória do politicamente correto, uma derrota do espírito nacional brejeiro. Sinto que o brasileiro está cada vez mais manhoso, mas perdeu a manha. Leva-se a sério sem ter realmente seriedade. O Brasil está se transformando em um país estranho. Proponho que se transforme também o nome. Que passe a se chamar "República Federativa", habitada por esses singulares republicanos federativos.
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