sábado, 14 de agosto de 2021


14 DE AGOSTO DE 2021
DAVID COIMBRA

Manual para o bom uso da máscara

Tenho péssima impressão quando vejo uma pessoa com a máscara pendurada em uma única orelha. Dá-me certa ânsia. Se é um amigo, aquilo me angustia porque parece que ele está apressado. Sua presença ali é provisória, daqui a pouco ele vai encaixar a máscara na outra orelha e cair fora.

Mas não é só isso, porque mesmo a visão de estranhos com a máscara pendente de uma só orelha me incomoda. Há uma desarmonia estética naquela cena, há uma falta de simetria irritante, o meu espírito artístico se escandaliza.

Só que ainda tem mais. Demorei a descobrir, isso me veio apenas dias atrás. Na verdade, noites atrás, quando sonhei que uma dessas pessoas que carrega a máscara numa orelha não tinha a outra. Orelha, digo. No meu sonho terrível, um homem se aproximava com aquela máscara pênsil e, ao chegar perto de mim, virava-se de lado e eu via: ele não tinha uma orelha. Acordei-me com uma sensação ruim e concluí: é isso!

Nesses nossos tempos politicamente corretos, alguém talvez diga que nutro preconceito contra pessoas desprovidas de orelhas. Não mesmo. Juro. Até porque nunca conheci alguém que não tivesse ambas as orelhas. Conheci um homem sem um braço. Um vizinho lá da Zona Norte. Ele usava um braço postiço, uma mão cor de caramelo, suponho que de plástico, saía da manga da camisa. Eu era guri e ficava olhando para aquela mão. Mas nunca caçoei dele ou algo parecido, por Deus. Uma vez me contaram que ele havia perdido o braço num horrendo acidente automobilístico: dirigia com o braço para fora da janela do carro, veio um caminhão na (sem trocadilho) contramão e o arrancou. Fiquei com muita pena do homem e me solidarizei com ele. Por onde andará agora meu vizinho sem braço?

Mas o que queria dizer com essa história é que nunca me incomodei com pessoas que não tivessem algum membro. Não entendo, portanto, porque me desassossega a ideia de que uma pessoa com a máscara pendurada não possua uma das orelhas. É, inclusive, uma ideia sem lógica, porque pessoas sem o par de orelhas completo na certa não podem usar máscara. Como elas fazem, nesse tempo de pandemia? Aí está uma dúvida séria.

Mas o que pretendia dizer, com toda essa história, é que usaremos máscara por muito tempo ainda, talvez nunca mais deixemos de usá-la, e isso demanda de nós critérios éticos e estéticos. Precisamos estabelecer regras.

Por exemplo: há pessoas que chegam a um restaurante, sentam-se, tiram a máscara e a colocam sobre a mesa. Eis algo de péssimo gosto. É até anti-higiênico. Pense: se a máscara estiver contaminada, os vírus se derramarão na superfície da mesa e contagiarão outras pessoas. Jamais faça isso, pois. Tire a máscara e guarde no recôndito da bolsa ou do bolso.

Outra: melhor não usar a máscara como meio de propaganda, principalmente se for propaganda política. Esses dias, conversei com uma senhora que vestia uma máscara verde e amarela, com a palavra "Bolsonaro" escrita em negro. Ela falava e eu sentia vontade de provocá-la:

- E aí? Tem tomado muita cloroquina?

Não fiz isso, claro, mas também não prestei atenção à conversa.

Mais uma: há pessoas que oferecem o rosto para serem beijadas vestindo máscara. Ora, se você quer o meu beijo, tire essa maldita máscara! Não tenha medo da minha saliva, tomei duas doses da Pfizer.

São inúmeras as questões envolvendo o uso de máscara. É preciso compilar um manual para tratar adequadamente do tema. Porque, não se engane, com todas essas variantes pipocando, continuaremos mascarados por muitos e muitos anos.

DAVID COIMBRA

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