quarta-feira, 11 de agosto de 2021


11 DE AGOSTO DE 2021
DAVID COIMBRA

O que significa o lixo na Orla

Essa chuva me dá uma preguiça. Chuva assim, de inverno, chuva de dia inteiro, intermitente, que molha devagar, esse tipo de chuva me faz pensar em coisas amenas, em café da tarde, na minha avó lidando na cozinha, na risada dos meus irmãos quando íamos comer Leite Ninho em pó direto da lata.

Outro dia, passei na rua em que minha avó e meu avô moravam, a Dona Margarida. Quem terá sido a Dona Margarida? Lá, na casa incrustada no número 355, é que minha avó fazia bolinhos de chuva, e os fazia, obviamente, quando chovia. A Dona Margarida antes era uma rua residencial, suburbana, quase bucólica, onde passavam poucos carros. Os moradores colocavam as cadeiras na calçada da Dona Margarida para conversar nos fins de tarde de verão. Hoje é uma rua de indústrias, de trânsito intenso, sem graça nenhuma. A árvore que havia bem na frente da casa da minha avó não existe mais. Será que morreu? Será que a cortaram? Gostava daquela árvore.

Quando o futuro muda uma paisagem assim, de forma lenta enquanto está mudando e de forma abrupta depois que mudou, quando o futuro faz essas transformações rouba um pouco da nossa história. Há casas e árvores que estão na minha memória. Elas são parte de mim. Por isso, o trabalho de preservação histórica é tão importante. Um prédio, às vezes, é muito mais do que um prédio; é um personagem.

Sempre que as pessoas depredam monumentos, picham paredes ou de alguma maneira mutilam a cidade, elas não demonstram só sua falta de educação; demonstram a pobreza de sua própria história. Nada do que elas vivem é realmente significativo, por isso elas podem destruir o cenário que as rodeia. Aquilo, para elas, não tem valor algum.

Estava vendo a quantidade de lixo que os porto-alegrenses deixaram na orla do Guaíba, neste fim de semana. Eles foram ao local, usufruíram do prazer de estar lá e depois o sujaram sem nenhum remorso. Essa falta de amor pelo lugar em que vivem diz muito dos moradores da capital de todos os gaúchos.

O que aconteceu conosco? No tempo em que a Rua Dona Margarida era lenta e doce, as pessoas não eram assim. Ou eram, e eu que estou romantizando? Pode ser, a gente tem mania de dourar o passado.

Mas há algo de inegável nisso: há lugares em que os cidadãos não são tão hostis a sua cidade como em Porto Alegre. É estranho. "Quando a gente gosta, é claro que a gente cuida", cantou Caetano. O porto-alegrense talvez goste pouco de sua cidade. Ou talvez goste pouco de si mesmo.

DAVID COIMBRA

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