terça-feira, 31 de agosto de 2021


31 DE AGOSTO DE 2021
NÍLSON SOUZA

O país do golpe

Por consideração aos amigos e parentes mais antigos, entre os quais a minha mãe, prestes a completar 98 anos, ainda conservo um telefone fixo em casa. De cada 10 ligações que recebo, nove são tentativas de golpe. Outro dia, em plena madrugada, me ligou uma menina desesperada:

- Pai! Pai! Me pegaram! Eu tô machucada. Me ajuda.

E chorava copiosamente. Daria uma boa atriz de novela, pensei. Como não tenho filha e esse embuste do sequestro virtual é mais velho do que Matusalém, respondi calmamente:

- Moça, vai procurar outro pai, que eu preciso dormir.

Juro que a ouvi rir antes de desligar. Os golpistas até se divertem enquanto atuam. Alguns são verdadeiros especialistas nas suas áreas de fraude. Os mais aplicados são os falsos funcionários de banco, que, inclusive, se identificam:

- Aqui é o fulano, da central de segurança do banco xis. O senhor fez uma compra no seu cartão na loja tal...

Como na maioria das vezes os vigaristas sabem o seu nome completo e a instituição bancária onde você tem conta, sempre dá um calafrio antes do raciocínio lógico de que os bancos sequer costumam atender quando a gente liga para eles, quanto mais ligarem espontaneamente para clientes. Se o desavisado responde que não fez compra nenhuma, vem aquela história de cartão clonado, orientação para cortá-lo e entregar para o motoboy que irá substituí-lo. Golpe manjado, mas recordista em vítimas.

Com a pandemia, a disparada das compras online e o uso rotineiro de mensagens de celulares, os golpistas se multiplicam geometricamente. Agora surfam na onda do Pix, obrigando as autoridades a limitar o valor das transferências bancárias em horários noturnos. Invertemos o velho brocardo (acho que não há nada mais velho do que brocardo!): "Hecha la trampa, hecha la ley".

Aliás, a frase original tem uma história engraçadinha, contada pelo escritor italiano Fosco Maraini: monges japoneses, pelas regras da sua congregação, só podiam comer carne de animais marinhos. Em tempos de pesca escassa, simplesmente batizaram os porcos de "baleias silvestres".

Malandros são criativos. Meu maior medo agora é aquele recurso de inteligência artificial que recriou a voz do falecido pai do Zico. Se minha mãe me ligar pedindo um vale, terá que passar por um teste de maternidade.

NÍLSON SOUZA

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