18 DE AGOSTO DE 2021
DAVID COIMBRA
Os talibãs dos trópicos
De todas as fortes cenas da retirada americana do Afeganistão, nenhuma é mais chocante do que aquela registrada no aeroporto de Cabul: um cargueiro americano está taxiando para decolar, e os afegãos simplesmente tentam pará-lo à unha. Um grupo instala-se numa aba do lado de fora da aeronave e de lá não sai. O avião levanta voo com os afegãos agarrados à fuselagem. Alguns conseguem se equilibrar até o avião já estar bem alto, mas aí não resistem, caem e se espatifam no chão.
Será que esperavam viajar até os Estados Unidos naquelas condições? Imagine o desespero dessas pessoas, para cometer tamanho desatino a fim de fugir do país.
O medo é compreensível. Os talibãs são mesmo radicais perigosos e imprevisíveis. Talibã significa "estudante", porque o movimento foi fundado por 40 estudantes muçulmanos nos anos 90. Ou seja: eles eram jovens. Não surpreende. Só os jovens, com sua energia, com sua rebeldia, com sua ânsia de mudar o mundo, são capazes de se radicalizar a esse ponto.
Baden-Powell, não o violonista brasileiro, mas o general inglês, percebeu essa característica dos jovens durante um cerco na Guerra dos Bôeres, na África do Sul. Ele estava na cidade sob sítio e estava quase perdido, até que decidiu usar os meninos do lugar para tarefas auxiliares, porém arriscadas. Os meninos, convencidos de que o trabalho era importante, portaram-se com bravura incomum e faziam coisas que soldados experientes vacilariam em fazer. Depois disso, e também devido a isso, Baden-Powell fundou o escotismo.
Outro que soube usar o arrebatamento da juventude a seu favor foi Hitler, que criou a nefanda Juventude Hitlerista. Os jovens, fanatizados, chegavam a acusar os próprios pais de traição aos princípios do Führer.
Jovens são ideais para organizações paramilitares porque eles precisam da sensação de pertencimento a um grupo, e esse grupo, em geral, surge com a ideia de renovação, de transformação. Foi assim que Mao deflagrou a Revolução Cultural na China, nos anos 60. No centro da Revolução Cultural estavam, exatamente, os jovens que formavam a Guarda Vermelha. Não por acaso, eles lutavam contra os "Quatro Velhos": velhas ideias, velha cultura, velhos hábitos, velhos costumes. Jovens enfrentando velhos para transformar o mundo. O que pode ser mais atraente? O que pode parecer mais revolucionário? O que poderia atender melhor ao ardor juvenil de se diferenciar de gerações passadas?
Movidos por esse dogma, os jovens chineses humilharam professores e intelectuais, espancaram suspeitos de atos antirrevolucionários, prenderam, torturaram e mataram.
O Brasil, que é um país adolescente há 521 anos, experimenta essas sensações a cada eleição. Os candidatos sempre se apresentam como "o novo", juram não pertencer à "política tradicional" e prometem mudanças. As pessoas acreditam e votam neles. São nomes novos que vão acabar deixando tudo igual. Mas o pior é quando os brasileiros aderem com ardores juvenis a um suposto líder iluminado. Aí eles se comportam como se estivessem na Juventude Hitlerista ou como se fossem os Guardas Vermelhos de Mao. Viram crianças fanatizadas. Viram talibãs. Para fugir deles, vale até se dependurar nas asas do avião.
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