sábado, 28 de agosto de 2021


28 DE AGOSTO DE 2021
MARCELO RECH

Onde está o trabalho

Sou de um tempo em que, ao se entrar em elevadores, havia ali uma figura de semblante enfadado, com a cabeça encostada na parede enquanto apertava mecanicamente botões com os números dos andares. Tal e qual os acendedores de lampião um século antes, ascensoristas eram parte do cotidiano mas desapareceram porque assim é a história: profissões nascem, florescem e morrem à medida que a marcha da tecnologia e a busca da gratificação pessoal e da qualidade de vida avançam.

Pela profunda disrupção causada pela inteligência artificial, somada à pandemia e novas formas de negócios e pagamentos, o mercado de trabalho experimenta uma transformação comparável ao início da revolução industrial. É o caso, por exemplo, dos cobradores de ônibus, cuja atividade foi extinta em grande parte do mundo. Suas funções vêm sendo substituídas por cartões eletrônicos ou aplicativos em celulares. A prefeitura de Porto Alegre apresentou um plano para, gradualmente, treinar cobradores em outras funções até o fim de 2025, mas a resistência à mudança só estreita os caminhos para eles no futuro. Assim como não foi possível impedir o fim do ramo de acendimento de lampiões, fechar os olhos a essa revolução ou negá-la é uma temeridade com os que já foram, são e serão inevitavelmente atingidos.

Em vez de tentar proteger na marra profissões fadadas a desaparecer, retardando ainda mais oportunidades para forças de trabalho emparedadas entre duas eras, governos e sociedade deveriam concentrar esforços para reconverter a mão de obra pega no contrapé. Profissões queridas, como motoristas de táxi, telefonistas e frentistas, já mal existem em outras partes. Em contrapartida disparam ocupações de massa, como as de motoristas de aplicativos, entregadores e cuidadores de terceiros. No caso da tecnologia, então, o problema é outro: há escassez de gente especializada em programação e negócios digitais.

O novo mundo do trabalho está em moldagem permanente, mas com certeza privilegia menos chefes capatazes e mais líderes preocupados com o bem-estar das equipes, menos vigilância superior e mais autonomia (e, portanto, mais autodisciplina de cada empregado), menos ordens e mais propósitos, menos cartão-ponto e mais flexibilidade de horários, inclusive para trabalhar de casa, menos pressão e suor e mais qualidade de vida dentro e fora do local de trabalho e, principalmente, menos atividades mecânicas e mais as que requerem algum tipo de aptidão ou talento.

Ainda que não saiba, todo indivíduo tem os seus, a serem identificados, estimulados e desenvolvidos. Retardar esse desenvolvimento, seja por leis anacrônicas ou negacionismos diante do futuro, é atrasar o potencial de cada pessoa e a própria história da realização humana.

MARCELO RECH

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