24 DE OUTUBRO DE 2020
FRANCISCO MARSHALL
OS DOIS PARTIDOS
Em que pese termos hoje 33 agremiações políticas registradas no Brasil, em todo o mundo e desde sempre, no fundo, são apenas dois partidos: do egoísmo e da empatia. O partido egoísta, evidentemente, não se declara como tal, mas o exame da natureza, dos meios e das finalidades políticas esclarece melhor do que quaisquer alegações ou fachadas. Em última instância, que é também um fundamento, ergue-se a pergunta: a ação política visa ao interesse particular ou ao bem comum? Ganhos privados ou interesse público? Benefício de um grupo ou classe ou harmonia social? A sobrevivência e a qualidade de vida de poucos ou de todos?
A democracia, melhor fruto de nossa cultura política, foi o resultado de tensão social gravíssima, vivida na Grécia arcaica (séculos VII e VI a.C.) com muitos conflitos e guerra civil, o que exigiu das cidades soluções políticas que pusessem fim à violência. Isso ocorreu quando enfrentou-se uma aristocracia que se amparava no mito para justificar qualidade superior e na posse da terra e das armas para afirmar supremacia. A filosofia, que floresceu naquela época, desmascarou as farsas do mito e apontou caminhos matemáticos e jurídicos para a análise do mundo e para pactuações expressas em leis (nomoi). A sobrevivência da pólis só seria possível com o recuo dos grupos privilegiados em favor de um povo cada vez mais numeroso, relevante e carente. Prosperaram então, em Atenas, homens como Sólon (638-559 a.C.), Pisístrato (607-527 a.C.) e Clístenes (570-492 a.C.), três gerações de líderes que, em que pesem diferenças, agiram para benefício da classe a que não pertenciam, o povo (demos).
No apogeu da democracia (séc. V a.C.), essa linhagem chegou a Péricles (495-429 a.C.), filho da mais tradicional família de Atenas, os alcmeônidas, mas que liderava a luta por benefícios para o povo. Na pólis não havia partidos políticos, mas a aristocracia tradicional mobilizou-se e usou de todos os meios, inclusive violência assassina, para combater democratas; Efialtes, parceiro de Péricles, pereceu em uma emboscada, em 467 a.C.. O grupo aristocrático passou todo o século V a.C. atacando a democracia e, quando pôde, em uma crise durante a Guerra do Peloponeso (431-404 a.C.), tomou o poder por meio de golpe, em 411 a.C., e promoveu pavorosa matança. Foi difícil a recuperação da democracia, diante de um grupo egoísta, que demonstrou não concordar com aquele regime.
Sabe-se que há na natureza muitos organismos que atuam com empatia, de modo a assistir a espécie com esforço ou sacrifício individual. A sobrevivência da humanidade é fruto de sua ação coletiva, em sociedade, com o difícil primado da empatia sobre o egoísmo, por meio de lutas e opções políticas. Em nosso mundo e neste Brasil de iniquidades inaceitáveis, já passou da hora de perceber-se que a luta dos que precisam requer a sensibilidade dos que podem e que a rainha das ideologias egoístas, a liberal, é uma chaga contra a harmonia social.
Claro que mundo melhor é possível, quando a lucidez guiar nossas opções, e vivermos a graça da democracia.
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