terça-feira, 25 de julho de 2023


25 DE JULHO DE 2023
CARPINEJAR

"Já vou!"

Não sei qual o motivo de os cônjuges desejarem dormir no mesmo horário, como xifópagos do bocejo, clones do ronco, cúmplices da preguiça.

Nunca dá certo a simbiose por uma questão lógica. Vieram de famílias com hábitos distintos e, muitas vezes, antagônicos. Cada um tem suas manias e ritos para desacelerar. Haverá sempre o que é adepto do silêncio e aquele que relaxa falando sem parar sobre os fatos importantes da sua rotina. Haverá sempre o notívago e o madrugador. Haverá sempre um com sono já vencido e outro que resolve botar a vida em ordem, faxinar, assistir a séries, guardar roupas. Haverá sempre trabalhos com turnos e horários opostos.

Agora que estão casados, esquecem o relógio biológico para seguir o ponteiro do amor. Decidem padronizar o comportamento, mentir que são iguais, deitar juntos no mesmo instante. Eu entendo perfeitamente que é gostoso adormecer com o calor e o colo da sua companhia, enroscar as pernas na posição de conchinha, ainda mais quando nosso lugar na cama é previamente aquecido. Mas não precisa ser sempre.

Seu marido ou sua esposa não pode ter a função reduzida de um lençol térmico. As maiores brigas são no momento de dormir. É um cabo de guerra entre o estressado e o disposto.

O que costuma acontecer é alguém tentar enganar o seu parceiro dizendo que já está indo para a cama, esperando que ele adormeça antes e pare de sentir falta e exigir a presença. A expressão "já vou" é o equivalente noturno a "só um minutinho" dito ao longo do dia.

O "já vou" dura três horas. Quem fica no quarto realiza uma contagem interminável do esconde-esconde pela casa.

Pretende-se ganhar a disputa pelo cansaço. O retardatário não deixa o que quer para trás, apenas finge que finaliza a última pendência. Simula uma saideira do sono, embriagado com a sua energia. Só que a falta de sinceridade gera o caos. As vontades desacordadas tiram a paz da noite.

Aquele que permanece desperto jamais é discreto. Movimenta-se freneticamente pela sala, abre e fecha a geladeira, faz sapateado pelo corredor, promove arruaça no sofá, prepara pipoca, não respeita a quietude do seu vizinho dentro da residência.

Quem se encontra no casulo das cobertas não dorme. Escuta uma trilha sonora inesperada e se pergunta: o que a pessoa está inventando agora?

É banho à uma da manhã. É objeto derrubado no escuro. É esbarrão em móveis. É lanterna do celular buscando acertar o carregador na tomada. É abajur ligado para ler. É som alto de vídeos nos stories. No final, ninguém conseguirá descansar. E os dois acordarão de ressaca.

CARPINEJAR

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