sábado, 29 de julho de 2023


29 DE JULHO DE 2023
CARPINEJAR

A almofada do torcedor

Eu tenho saudade dos jogos de futebol de antigamente. Você ia ao estádio como quem se dirigia para uma rodoviária, com sua malinha, com seu kit básico de torcedor. Além da camiseta do seu time no corpo, carregava um radinho de pilha e uma almofada. Os mais velhos não abdicavam da almofada para se sentar na pedra fria.

As arquibancadas, desprovidas de cobertura, tinham degraus de concreto. Com a sucessão de chuvas, ficavam úmidas por um bom tempo. Encharcavam a calça, com infiltração na sua roupa de baixo. Cadeiras eram destinadas à direção, em áreas restritas a conselheiros e ex-presidentes. O equivalente ao camarote de hoje.

Sócio-raiz se deslocava pela cidade com o travesseirinho quadrado e magro de seu clube, estampado com o símbolo e as cores de sua paixão. Ninguém se envergonhava do assento portátil. O material se mostrava surrado de vários campeonatos, com a espuma já fina. Podia-se constatar a fidelidade do sócio pelo estado da almofada. O suvenir costumava ser arrematado no comércio das imediações do estádio por raro impulso de um título.

Sem celulares, o rádio reinava solitário. Entenda que não se usava fone de ouvido. A solidão da escuta surgiu nas últimas décadas. Você brigava com a algazarra da torcida, com o som ambiente, para ouvir o narrador. Alguns levavam aparelhos grandes nos ombros, concentrando-se para entender o que estava sendo dito pela emissora. Nos arcaicos Beira-Rio e Olímpico, ocupavam os melhores lugares aqueles que chegassem primeiro.

Quem permanecesse de pé em lances sem emoção, de troca apática de passes, corria o risco de receber um banho de mijo. Até hoje não foi provada a lenda urbana. Mas, para tirar as pessoas da frente, jogavam-se copos de cerveja quente. Não acredito que alguém mijaria dentro de um copo fora dos laboratórios médicos. Mas que o líquido parecia mijo, parecia.

Em épocas loucas do nosso fanatismo, vaias acabavam representadas com arremesso de pilhas no campo. Gols históricos acabavam comemorados com uma renúncia ainda maior de objetos de estimação: incríveis radinhos lançados para cima, que se despedaçavam no chão, pisoteados pelos pulos da massa.

Não havia pipoca. Não havia bombonière. Não havia pizza ou cachorro-quente gourmet. Você nem abandonava a sua localização no intervalo do primeiro para o segundo tempo. Com a multidão ávida por um ângulo privilegiado da partida, jamais recuperaria o seu local.

Você se valia dos ambulantes para comprar amendoim com casca. Matava a sua ansiedade procurando os grãos, as joias nos aquedutos da semente. Fazia um prodigioso ninho debaixo dos seus pés, um tapete da sua fé.

As pedras do amendoim agiam como um terço improvisado, na reza incansável por uma vitória. Não se passava por dificuldades constrangedoras para quebrar as nozes no Natal, de tanto esmagar amendoim entre os dedos ao longo do ano.

CARPINEJAR

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