terça-feira, 25 de julho de 2023


25 DE JULHO DE 2023
NÍLSON SOUZA

O brasileiro voador

Dez anos atrás, uma emissora de TV promoveu votação popular para escolha do maior brasileiro de todos os tempos: deu o médium Chico Xavier, seguido do inventor Santos Dumont. Na ocasião, achei curioso que mesmo entre os brasileiros - que defendem apaixonadamente seu pioneirismo sobre os irmãos Wright na invenção do avião -, o mineiro tenha ficado em segundo lugar numa pesquisa de idolatria. Mas a celebração dos 150 anos do seu nascimento na semana passada, com homenagens oficiais, lançamento de livro, selo, medalha, exposições e filmes, comprova que parcela expressiva da população ainda o reconhece como principal herói nacional.

Nosso herói dos ares, como o ex-presidente Getúlio Vargas que também foi forte concorrente na eleição televisiva, renunciou à vida para entrar na história - e sua trágica morte é o ponto de partida do romance de Arthur Japin, O Homem com Asas. Leitura imperdível, o livro relata o suicídio do Pai da Aviação e o desaparecimento de seu coração, retirado pelo médico legista num gesto de protesto contra o governo da época, que fazia uso político da morte do compatriota ilustre.

O escritor holandês confirma que Alberto Santos Dumont morreu amargurado por constatar que sua invenção estava sendo usada como arma na Revolução Constitucionalista de 1932. Também por isso, por saber que o avião fora utilizado na Primeira Guerra Mundial para bombardear e matar pessoas, ele teria se desinteressado de competir com os norte-americanos pela paternidade do invento. Japin disse em entrevista à ZH, quando esteve em Canoas para lançar seu livro, que o brasileiro era um pacifista e imaginava ingenuamente que um dia cada pessoa teria o seu próprio avião em casa, como um automóvel, para viajar quando e para onde quisesse.

Não foi exatamente assim, mas o avião encolheu o mundo, aproximou povos de todos os continentes e trouxe incontáveis benefícios para a humanidade. Porém, como qualquer invenção, pode ser usado para o bem e para o mal - independentemente da intenção e da vontade de seu criador.

Essa culpa o nosso inventor não precisava ter carregado no coração - que, aliás, acabou devolvido pelo médico e até hoje está exposto como relíquia no Museu Aeroespacial do Rio de Janeiro, no interior de uma esfera dourada sustentada pelo mitológico Ícaro, supostamente o primeiro homem com asas.

O céu de Ícaro até pode ter mais poesia do que o céu de Galileu, como cantavam os Paralamas do Sucesso, mas a ciência também tem os seus mistérios e encantos.

NÍLSON SOUZA

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